Chama-se Raquel [parte II]

28.7.09

Ontem chegou triste. Pousou a mala vermelha e saiu rapidamente a querer esconder as lágrimas que teimavam em saltar dos olhos. Penso que terá ido ao WC e que tenha respirado fundo, escondida por trás das portas minúsculas, tentando ter a privacidade que num escritório enorme nunca se tem.
Quando voltou olhou para mim de relance e eu, vergonhosamente, fingi que não estava a observá-la e continuei atrás do meu monitor, espreitando feita uma velha caquética que gosta de coscuvilhar a vida dos outros.
À hora de almoço perguntei-lhe se queria sair um bocadinho e convidei-a a almoçar comigo num restaurante de que gosto muito - Passion Fruit - ali na 5 de Outubro. Inesperadamente, acedeu.
"Podes só esperar um pouco enquanto faço uma chamada?"
Esperei. E em cinco minutos que ali estive, sentada na minha secretária a escrever post-its para que não me esquecesse das compras que ainda tinha de fazer quando saísse, ouvia-a murmurar que estava farta. Depois desligou.
"Vamos?"
"Claro."
Saímos, ela com a sua mala vermelha eu com a minha castanha e entre o 7º andar e o rés -do -chão, ela quebrou o silêncio que se instala quase sempre nos elevadores.
"Porque me convidaste?"
Surpreendeu-me a pergunta. Ali estava eu, sem ter como fugir, a pouco mais de um metro de distância daquela mulher e com uma pergunta apontada a mim, como se fosse uma arma.
"Não sei bem. Apeteceu-me."
Não disse a verdade. Mas ficámos assim e claro, falámos do tempo e do calor que tardava em chegar. O tempo é sempre uma boa desculpa para quem não sabe o que dizer... e eu não sabia.
No restaurante aquela pessoa deixou de ser quem parecia ser: sorriu, meteu conversa com o empregado e eu diria mesmo que flirtou com ele, deixando-me com uma pontinha de inveja por não ter aquele nível de descaramento: levezinho, subtil como uma pena mas perceptível a quem vê. Abriu-se num sorriso e perguntou da minha vida e eu, que pensava que iria ali para saber mais dela, acabei por falar mais de mim sem qualquer receio ou constrangimento. Estranho, diria.
Antes de entrarmos no escritório disse-se apenas "obrigada". E voltou a olhar para o telefone, mais uma vez, à espera que tocasse.

Comments

2 Responses to “Chama-se Raquel [parte II]”
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Tricia disse...

Encantada e a querer muito ler o resto.

1 de agosto de 2009 às 01:21
sem-se-ver disse...

mais uma vez, muito bonito

10 de agosto de 2009 às 00:39

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