O alcance dos perfis

26.5.10

Saltitando de perfil em perfil e já nem sei como, sinceramente, mas o mundo é tão, mas tão penico e, de repente, salta-me à vista a criatura. A criatura que era tão mas tão anónima, tão escondida, tão reservada, mas o mundo também pula e avança e a pressão social de família e amigos terá sido grande, ei-la ali, em todo o seu esplendor de cara e nome no FB. Oh, perfil todo aberto, a mostrar que apenas se usa aquilo por desfastio, agora este amigo adicionado, agora aquele ali e ali de lado, a prole, pois claro, a prole que usa entusiasticamente o FB. É isso então, a pressão, de certeza e eu a linkar no perfil da prole e a prole, desenxergadíssima, tudo aberto, centenas de fotografias para toda a gente que quiser ver, a demonstrar que em casa de ferreiro, espeto de pau: progenitores que eram tão anónimos, tão devassadores da privacidade dos outros e furiosos protectores da deles e a prole, ali, escancaradinha da silva.
Não me interessa muito, confesso, não me interessa grande coisa, mas vou ver, já agora, deixa cá ver a tromba da criatura e da família. Rugas e peles descaídas, estava-se mesmo a ver, a velhice e a desistência já tão anunciada. E desato a rir, a rir, a pensar, ah que vingança, cá se fazem e cá se pagam, a criatura, desinfeliz e a família, feia, sem graça, sem pinta, sem charme, sem coisa alguma que mereça mais que dois minutos de olhar e fechar a janela. Nem precisei de fazer nada, o tempo encarrega-se de tudo, leva tudo, quando se desiste. Azar.


O alcance dos escadotes

Tenho andado aqui às voltas sobre qual a maneira de responder à Tricia ali em baixo porque a indignação não é um bom ponto de partida para se começar a escrever seja o que for e onde for! Mas aqui é onde um dia achámos que íamos ter escadotes, para alcançar mais além, para lá dos muros e dos fastios e das rotinas e de tudo o que nos faz querer fugir de lá para vir para aqui! Há um mundo, como diz a Tricia, mas esse mundo não é o nosso! Fingimos que lá estamos, quando temos que estar, sorrimos beatificamente, quando tem que ser, e fingimos que somos iguais ao resto da parra quando a verdade é que… aqui somos super uvas, o supra-sumo da melhor uva que algum dia se produziu em solo algum por esse mundo fora e noutros mais que houver!

Não temos que nos fazer melhoríssimas da silva porque sabemos que o somos! Aqui somos! E lá também, mas lá é diferente por causa das "virtudes" e "qualidades" que muita educação restritiva nos impôs ao longo de toda a nossa existência. Fica feio evidenciarmo-nos porque temos que pensar nos outros e a humildade e a submissão e porque há outros maiores e melhores, de certeza que só pode haver dizem-nos e diz-nos o nosso egozito que começou a apanhar desde o dia em que nasceu.

Mas isso era antes dos escadotes porque agora podemos subir e vir para aqui e aqui não temos que fingir nem temos que concordar com os modos do mundo de lá. Aqui somos todas irmãs, mulheres, melhores, maiores! E entre nós temos esta união quase ancestral que nos fortalece e nos impele a subir aos escadotes que umas e outras vão deixando pelo caminho… por isso e por muitas outras coisas querida Tricia te digo que o nosso caminho só pode ser ascendente! Estes escadotes não têm modos de se descerem! Encontramo-nos lá em cima? :)

o alcance do acaso

24.5.10

Um dia vamos ao café em frente a casa comprar cigarros, como é hábito no estabelecimento, não têm moedas. Apesar da chuva iminente, vamos até ao fundo da rua onde sabemos que nos vendem tabaco, mesmo que não tenhamos moedas. No trajecto uma placa chama-me a atenção, mas, ainda assim seguimos caminho. A placa continua a pairar na mente. Compro os cigarros para mim e uma pastilha para ele. No caminho para casa, novamente a placa e paramos e olho e volto a olhar. A cabeça a mil e um sonho ali tão perto. Meia dúzia de passos à frente e recolho a informação fundamental que não constava na placa. Seguimos caminho, eu levo os cigarros na carteira, ele mastiga a pastilha. A cabeça a duzentos mil. Borbulham ideias, assaltam dúvidas, a cabeça não pára e o entusiasmo cresce. Chegamos a casa. Não páro, contínuo num constante frenezim. Ideias que procuro, ideias que me assaltam, dúvidas que se levantam. Acendo um dos cigarros que comprei e que trazia na mala. Inspiro o fumo e antes mesmo de o expelir já tenho o cenário do sonho montado na cabeça. Algumas das soluções já estão encontradas. A dúvida essencial resiste ainda sem solução. A cabeça não pára e já dói. Consigo ter uma imagem nítida, mas tenho de acordar e viver.

O alcance do protagonismo

22.5.10

Somos umas burras, é o que é. O que deveríamos fazer era fazer que somos mais do que somos. Deveríamos dar a impressão que somos muito mais do que o realismo nos deixa, dar a ideia que a última coca-cola do deserto é aqui mesmo, não há mais ninguém capaz de tudo quando conseguimos, enfim, somos as maiores em toda a verdadeira acepção do conceito.

Não é que nos encolhamos ou nos façamos menores, mas seremos realistas e ao mesmo tempo convictas que somos boas, muito boas mesmo, mas haverá melhores, piores, ou até talvez sejamos as melhores, mas achamos que não temos que nos fazer de melhoríssimas da silva. Mais, achamos isso uma vaidade inútil, uma vacuidade, achamos talvez que tanta parra esconde pouca uva, que o nosso mérito falará por nós, que temos valor e ética e basta.

Nada mais errado. O mundo não funciona assim. O mundo, feito de medíocres que se auto promovem sem qualquer pingo de vergonha, só reconhece os seus pares. Nós? Nós não passamos de umas burras. E, provavelmente, para além de o sermos, somos vistas como tal.

at last

20.5.10


Vertigo














O alcance dos mantras

19.5.10

Há uns dias dei comigo a pensar exactamente o que está no post "o alcance da correria". Foi depois de ter levado uma chapadona psicológica das grandes, quando ouvi na voz infantil da verdade "estavas a rir tanto e nunca te vejo assim". Oh, que me rio muito, é certo. Mas talvez não me ria às gargalhadas o suficiente, ou com as pessoas que me querem ver rir às gargalhadas felizes, as pessoas a quem faz mais falta que me ria às gargalhadas felizes. Assim, por nada ou coisas parvas, mas confesso que a fazer o jantar ou a pendurar roupa, enquanto faço contas mentais a orçamentos familiares e mais a fruta que está verde ou tem mosquitos, não consigo encontrar motivos para rir. Gosto de arranjar morangos em silêncio, é certo, mas não me rio, sorrio só. E o pior é que não não-me-rio não é por infelicidade, que sou muito feliz, muito obrigada, é que falta tempo: mesmo quando se é feliz, falta tempo para se ter tempo de estar feliz e alegre.

E nesse dia decidi que se acho que se tem que se ser feliz nem que seja à biqueirada, também temos que estar felizes nem que seja à biqueirada a nós mesmos, aos nossos problemas e às nossas chatices. Não é cagar no assunto que as contas não se pagam sozinhas, o tempo não estica e as maçadas se vão embora e não é relativizar que com o mal dos outros posso eu bem e pimenta no cu dos outros e essas merdas todas e quando uma pessoa tem chatices, até podem ser merdosas se comparadas mas temos pena, são as aqui deste lado, as nossas, essas é que aborrecem e moem. Cada qual com as suas e estamos cá para apoiar as dos outros, pois está claro, mas já agora que apoiemos também as nossas, dá algum jeito.

Decidi que temos que estar felizes pelo menos uma vez por dia, ou dez ou assim. Não interessa a que horas ou porque razão, que o estar feliz e alegre é contagioso, se um dia for uma vez, da próxima é mais fácil serem duas e logo se chegará às alturas certas. Por agora e como primeiro passo, é estar-se feliz nem que seja a ouvir o genérico da TSF no meio do trânsito. É como aquelas pessoas que não gostam muito de água mas têm que a beber: metem um aviso no computador e tudo. De tanto em tanto tempo, beber um gole ou um copo. É isso, é beber água mesmo a horas incertas, que seja.

E é o mantra do "foda-se agora estica a boca para os lados, vá lá, não custa nada e ri-te, minha parva".

o alcance da correria

Gostava de ser psicóloga e assim podia chamar síndrome a este enfadamento de que parecem padecer todas as pessoas. Está tudo farto. Farto dos impostos, do sócrates e das vuvuzelas, do preço da gasolina e dos números do desemprego, da crise e dos políticos, da chuva e do frio. Está toda a gente com o síndrome não-me-chateiem-mais-que-estou-prestes-a-gritar. Os sorrisos já não são de felicidade, são esgares momentâneos, muitas vezes apenas de boa educação, alegrias só as compulsivas porque o Benfica ganhou. Ninguém está bem, toda a gente se queixa de qualquer coisa. Do dinheiro que precisa e não tem, do tempo que não tem e precisa, do chefe ou do subordinado. Andamos para aqui todos com queixas sobre o mesmo, com as mesmas angústias a fazer as mesmas contas. Levantamo-nos ao terceiro ou quarto toque do despertador do telemóvel e entramos no corre corre diário, autómatos às pressas para chegar onde temos de ir por obrigação. Por vezes, durante mais uma paragem do trânsito, deixamo-nos levar pelos pensamentos e no quanto está errada a nossa vida, instantes, até o carro da frente voltar a andar alguns metros ou o sinal encarnado passar a verde. Passam-nos as horas do dia por entre os dedos até voltarmos novamente à correria do contra relógio. No caminho em que o sol se põe os instantes são para pensar no jantar, nas compras do supermercado, no trabalho que ficou por fazer. E continuamos em piloto automático, sempre em piloto automático, autómatos, robots escravos do ordenado que temos de ganhar e das contas que temos de pagar. O sonho dos instantes da manhã, altura em que somos sempre mais fortes, que está sol e somos todos invencíveis ficou lá atrás, agora temos pela frente a realidade e baixamos a cabeça que não há volta a dar e há que aguentar enquanto a maior volta ou viragem que damos na vida se resume à volta no esparguete e ao virar do bife. À noite, quando tudo está mais sossegado entregamo-nos à letargia do rato que já nem a televisão aguentamos, até nos deitarmos demasiado tarde para arrependimentos continuando no contra relógio porque até para dormir temos de ter pressa e assim adormecemos, fartos.

o alcance da esquizofrenia direccionada

Há algum tempo que o marido lhe tinha dado mostras de que o casamento se estava a tornar num fardo, conversaram. A vida para ela seguia o seu rumo, para ele não. Já não sentia satisfação nenhuma naquela relação. O casamento tinha-se tornado naquilo que os outros esperavam ver e não no que era suposto ele sentir. Ele voltou à carga e falou pela primeira vez em separação, ela respondeu com a ameaça mais comum, os filhos. Que mudava de cidade e que tudo faria para colocar os filhos e toda a gente contra ele. Ameaçou, chorou, barafustou e seguiu a sua vida. Ele sentiu o mundo dele a afundar-se. Uma luta do bem estar contra o mal com que o ameaçavam chegou a fazê-lo repensar tudo. Ao repensar também teve de ponderar que não queria ser prisioneiro e avançou. Mal o carrasco sabia que lhe tinha dado o empurrão que faltava. Acabou por deixá-la, saiu de casa debaixo de gritos e ameaças alternadas com choros e promessas de amor, ainda assim, saiu. As ameaças dos filhos foram cumpridas, mas apenas em parte. Ele está com os filhos o mesmo tempo que a progenitora teria como direito se utilizasse esse tempo para estar verdadeiramente com as crianças ao invés de as deixar com um dos escravos que tem para essas tarefas. Mas parte da ameaça foi cumprida e a cabeça das crianças é um verdadeiro carrossel. Nos momentos de tédio alterna sms de amor profundo e verdadeiro com ataques de ódio e rancor. Tudo serve como arma e, todos que agora circulam à volta dele, servem como alvo.
A sanidade mental dele é posta à prova de muitas formas. Se de manhã acorda com um sms digno de amante saudosa, à tarde é um mail completamente contraditório e à noite é um mms convidativo com a foto da depilação da zona genital. E ele, paciente, atura, na esperança que um dia a ex-mulher tenha um pingo de vergonha na cara, engate o primeiro e siga a sua vida.

o alcance da ralé

18.5.10

A ralé é uma espécie em franca expansão. Pessoas (?) que se mostram em público como detentoras de um carácter sem pingo de mancha, de uma índole digna de anjo acabadinho de cair na terra. Dentro de portas, quando a cortina se fecha são da pior escória. Mentem, inventam, roubam até. Depois voltam a pôr a cabeça fora da cortina e fazem um sorriso inocente à espera de mais aplausos, um ar cândido, ou pior, de coitadinhos à espera da simpatia alheia. Usam todos os truques para tirar do sério os outros, os que não pararam no tempo, no caminho. Despertam nos outros os piores sentimentos, sentimentos iguais a si próprios, vingativos. Espalham dor e mágoa, semeiam ódios de sangue (que bem te ficava a cara esborrachada, se te pudesse dar estalos até as minhas mãos sucumbirem). Às vezes cai-se no engano de achar que talvez se lhes dissessem na cara a merda que são elas acordavam e tornavam-se finalmente em pessoas em vez dos animais que na realidade são, mas não, é puro engano, a ralé não tem consciência, não tem sentimentos nobres por ninguém e triste mesmo é saber que nem dela própria, senão não seria ralé.
As artimanhas dignas de uma novela espantam quem não conhece o poder de alguém ralé, afinal a ficção é ficção e a realidade é a realidade. Puro engano. As artimanhas são as mesmas, apenas as vemos de um dos lados e não de todos os lados como na tv. Capazes de criar armadilhas ardilosas para quem não tem no olhar o alcance da maldade humana. Passa-se rapidamente do estado de filha pródiga, de menino acólito, mãe de família ou pai estremoso ao estado de cabra da pior espécie, de filho da puta insensível, dignos de acabar a novela a levar um enfardamento à medida. Brincam com a vida das pessoas, com o ganha pão de quem dele precisa para alimentar a prole, difamam sem dó nem piedade apenas com o intuito de se continuarem a ver pelos olhos dos outros, porque ao espelho nem vão, com medo da imagem decadente que sabem que têm. No fundo sabem.