O alcance dos caminhos

27.12.10

Chego sempre a um ponto em que me perco. Em que já não sei falar com as pessoas.
Vou até ali, vou à vontade, é a minha praia. Não me atrapalho e de repente, há uma reacção que não é em nada parecida com a tua. Porque - grande parva, eu - as pessoas não são iguais e não agem da mesma forma.
E é nesta altura que relembro que só procuro o mesmo que tive. É um dia, dois no máximo. São as hormonas ao estalo e eu a furar o tecto de ansiedade. Diparo em todas as direcções e espero um sorriso e um abraço como os teus. Mesmo que depois de uma birra, uma discussão.
Desta vez faço melhor, estou cada vez menos cuidadosa. Escolhi - ou escolheram-me, é um facto - dois caminhos. Coisas inocentes, lights, chitty chat mais que outra coisa. E eu vou por ali fora. Contente, que te ultrapassei, que já nem penso muito em ti, que estás longe e o posso dizer com segurança... um dia destes.
Mas são duas metades de ti. Ou nem isso, é pior: uma metade de ti e um oposto. E eu hesitante entre uma - a que és tu, e na verdade nada recomendável nas parecenças, que só brinca comigo, mesmo quando sou uma besta; e hoje dei-lhe um chuto. Depois a metade que nada tem a ver contigo, que eu gostava que me levasse para mais longe de ti, e que é uma brasa, que me tresanda a traumas, defesas e ataques por causa dessas feridas, e mesmo assim eu podia ser tão feliz nem que por uns dias. Até já lhe descobri um ponto fraco... que era o teu. De fraco tem pouco e já me fez perder a cabeça outra vez.
E em dias como hoje, dou comigo à tua procura em todo o lado. Sem caminho nenhum para seguir, para me distrair que seja, só te procuro. Voltas e mais voltas que não dão em nada porque tu não estás e eu também não saberia que fazer agora se aparecesses. Mas procuro-te. Desoriento-me e só te procuro, porque só assim poderia tomar o meu rumo. Que - só nestes dias, espero - és tu.

O alcance da possessividade

7.12.10

Per-co a cabeça.
Qual leoa, marco um alvo. Farejo-lhe o passos, topo-lhe os gostos, adivinho-lhe as curvas e apanho-o sem que espere. Impressiono. Sei fazer isso lindamente. E gosto. E gosta. Faz parte do meu show.
Fico doente se na minha caça, se atravessa a mais mansa criatura. É irracional e não me importa que o seja. É assim, e não é de outra maneira.
Podem acontecer duas coisas: ou me desinteresso. Mas isso só acontece, se a coisa não estiver já a meio caminho. Ou me enfureço, deito as garras de fora e deixo-a desfigurada. Pela calada, puxo-a do caminho e desfaço-a. Volto ao meu caminho.
Para que se metem estas gajas? Por um bocadinho de atenção. Sem jogo, sem nada. Perco a cabeça, vou de cabeça, amigas ou não. Sim, amigas ou não. Perco a cabeça.

O alcance de uma ervilha

6.12.10

Sou Elvira. A que não se nomeia quando se joga ao stop. E de Eva, de Elena e de Elsa, mas nunca de Elvira, Elvira não-princesa, antes ervilha no fundo da própria cama. Sou Elvira, apenas mais uma, Elvira de voz a(gora) sumida. Sou Elvira de nome antigo, de cara que se quer sempre nova, de palavra remendada em crise moderna.
Sou uma Elvira, em suma. (a uma, a uma, a uma).

o alcance da outra

28.11.10

É infinito? Ou apenas patético, na sua tentativa de estabelecer posições há muito perdidas? Será que ela não sabe (ou não quer saber) o êxtase que te dei tantas vezes, a cumplicidade que temos, o teu olhar que diz tudo e me despe, a reacção da pele do teu pescoço que se arrepia com o toque, com a respiração, até com a intenção? Sabe.

o alcance do que não se adivinha

E agora? Como se escreve sobre aquilo que não se sabe? Que não se entende? Que só se sente e de que se sabe apenas que tem de estar certo porque o sinto certo? Porque a sinto certa? Sim, que ela encaixa em mim como um anel num dedo. Ela está certa em mim. Eu é que não estava em muita coisa.

o alcance dos pontos cardeais

27.11.10

Retornos à casa de partida. Círculos infinitos, viciosos. Montanhas russas. Tudo velho, gasto, déjá vu. Cansaço primordial como se carregasse o mundo às costas. Fome de amor. Fastio de migalhas dadas em rebates de consciência. Doenças, presenças a mais, ausências a menos. Farta, farta, farta. De mim própria e do que me tornei.

O alcance de procrastinar

22.11.10

Vou tratar do meu coração depois, ainda não sei o que fazer com a parte que era tua.

o alcance do que estava escrito

21.11.10

Sabes?… Amei primeiro a ideia de ti, antes de outra coisa qualquer, anos – sim, anos – antes de te conhecer. Não tinha provas da tua existência, mas não duvidei dela nem por um segundo: tinhas de existir, se eu já te amava. Amei-te pelo que sabia que serias, tudo o que é bom e mau em ti, e forte e fraco, e transparente e opaco, e se confirmou ao pormenor. Já nessa altura soube que ias ser um caso sério e que subiria aos céus contigo por um breve tempo, mas que depois desceria ao inferno de nunca te ter completamente.

O alcance do foda-se

19.11.10

o pior de tudo, o pi-or, é quando uma gaja se nos atravessa à frente. Eh pá... não quero saber se estava a demorar, se estava a ser delicodoce ou 8 year old like. Estava a ser, fosse como fosse, e a gaja sabia. Ela ouviu um ou outro risinho a comentar que giro que ele é, viu o interesse, o cerco pueril, as brincadeiras e bocas.
Muito pior, é considerar-se esta pessoa amiga. E até é, mas nas horas vagas, entretem-se com isto. Há porcarias que se vão aprendendo com a idade. Uma, para mim é que tenho amigas - poucas - a cem por cento, outras menos. O resto não são amigas. As menos, são poucas, raras. Pessoas capazes da melhor companhia, consigo ver que davam o que fosse preciso por mim, mas depois, por uma questão de ego, me tiram o tapete - que é como quem diz o flirt - debaixo dos pés. Não são amigas, pois não. E o resto, onde se enfia? As gargalhadas, as privates, o entendidmento inegável?
Viu, sabe e cala. A seguir que faz? Atropela-me só para ter atenção. Não, não estou a falar de roubar nada, nem sequer é por aí. Antes fosse. Falo de iniciar conversas banais, de gostos comuns, e ter alguma atenção. Depois vem o espectáculo triste de anunciar "ele comigo, é impecável, é um querido" quando trocaram duas ou três impressões sobre vampiros, ou guitarradas. E aquele "ele comigo" a ecoar-me, mais tempo que o permitido por lei, na cabeça. É a irracionalidade (essa é outra) a que chego em início de flirt, qualquer coisa me põe as garras de fora. São intímos porque ouvem a mesma trampa? Não me lixem. Sim, ao contrário do Rui Veloso, eu acho que se ama alguém que não ouve a mesma canção. Se me faz rir e alcança o que é preciso, pode ouvir ferrinhos, quero lá saber.
E eu? Eu não desisto, mas ainda me chego um pouco para o lado. Com ela finjo que não percebo, e a ele quase lhe cuspo em cima. Ninguém pode perceber, e eu, cada vez mais fula, atiro tudo ao ar.
Foda-se... não consigo ficar indiferente a esta deslealdade. Não consigo, e é uma merda. O foda-se tem alcance, quando nunca o uso em público e de repente me sai, sentido: "foda-se..."
Etiquetas: se isto fosse o sapo hoje sentia-me Barbarella

o alcance dos turn offs

15.9.10

estava aqui a entrar no meu local de trabalho e vi um rapazinho à frente do carro. "este até marchava, deixa ver" - pensei eu - pele morena, penteado aceitável, camisa rosa, calças normais...mas o que é aquilo nos pés? mocassins tipo tods sem meias? esquece lá isso.
tods em pés de homem, escrever com erros ortográficos ou lols a meio de uma frase são turn offs completamente inultrapassáveis.
até porque estou apaixonada por ti, que não usas nada disto.

O alcance do incansável

14.9.10

Imagino-me numa multidão reconhecendo-te a voz. Estou mais para a frente e num impulso - que mais tarde me fará remoer horas, dias - volto-me para te ver. Era a tua voz e eu, anos depois, ainda a soube conhecer no meio de tantas. Outras vezes é o ver-te passar na rua. Ver-te bem, e tu nunca me veres. Tortura. Não gosto destes cenários e de vez em quando torturo-me com eles.
O contrário é que sim. Desfilo com boas botas, cabelo decente e cara civilizada, e tu parado no trânsito, dentro de um escritório, vês-me e sentes-me a falta. E eu não sei, nem saberei.
Queria que me reconhecesses a gargalhada em vez da voz. Desta vez, eu atrás, tu na frente. E eu a rir. Num segundo, ouves, viras-te e confirmas-me. E eu penso "Banzai!", que em sonhos penso japonês (ou sic, já não sei). E tu com a cara de tacho com que tinha eu ficado antes: "ah és mesmo tu e eu não queria estar a olhar para ti". Só que olhar descaradamente nunca foi problema para ti. A gargalhada, essa é que queria que me ouvisses. E se eu tenho rido! Não, não ía dizer "mas eu não rio...", que pensavas? Por favor, não afectas isso tudo. Já não. E eu não troco rir por ti. Já não.
Mas continuo a querer que me vejas e tenhas saudades. Mesmo que eu nunca o saiba.

O alcance da criação

10.9.10

Não sei o que se passa comigo, nem eles, os personagens que outrora tanto me atemorizaram ao ponto de me fazerem passar noites a fio a escrever as suas histórias sórdidas e por vezes mórbidas. Ontem ainda vivia aterrorizada pelas vozes que ouvia e que me enchiam a cabeça até me deixarem disfuncional para todas as rotinas diárias excepto essa, de lhes escrever as angústias e os terrores, os desejos e os amores.

Escrevi tanto durante tanto tempo, canalizei tanta coisa que hoje me sinto esgotada, paralisada. Ainda escrevo, muito pouco, mas nada a ver com a explosão orgásmica de outrora. Não tenho saudades desse tempo, e os personagens ainda lá estão, só que já não os sinto da mesma forma. Falam comigo e eu rio-me deles e já acho tudo banal (Gostas de sexo? Nada de especial! Fodes mulheres? Nada de especial! Fodes criancinhas ou animais? Nada de especial! Fodes cadáveres? Nada de especial! Queres atirar-te do prédio mais alto que encontrares porque achas que sabes voar? Nada de especial!)

Terei perdido o medo (de foder, de morrer)? Seria esse o meu maior (e único) impulso para a escrita? De onde me vinha tamanha ânsia, tamanho frenesim? Os personagens acotovelam-se e sussurram e olham tristemente para aquela que já não é a mesma de antes. Não sei se um dia voltarei a esse complexo esplendor, tornei-me amorfa (insensível) à dimensão humana de tudo aquilo que criei.

o alcance da cegueira

6.9.10

É tão mais fácil escondermos-nos das imagens que os nossos comportamentos possam transmitir aos outros do que olhar para o espelho e reconhecer que errámos. De repente, num belo dia, percebemos que alguém pensa que somos assim ou assado e, essa imagem, afinal não era a que queríamos que alguém guardasse, que nos pintassem, assim de rosto desvairado, cabelo desgrenhado e cara esborratada, mas foi essa a imagem que ficou, naquele momento em que dissemos o que não queríamos, cegas que estávamos de ódio, que espumávamos da boca como cadelas enraivecidas, dissemos barbaridades e mordemos em quem nos levou àquele estado de loucura temporário, absortas que estávamos em deitar cá para fora toda a frustração que nos corroía os ossos e nos esmagava as entranhas, nunca nos passando pela cabeça a imagem que os outros gravavam. Quando olhamos finalmente para nós, através dos olhos de quem nos viu naqueles preparos, não imaginamos, sequer, o quão ínfimo é o que vemos. Os outros, os que assistiram, guardam-nos ampliadas, com a voz amplificada a níveis de histeria de uma verdadeira alucinada antes da medicação diária. A vergonha da nossa própria figura deveria ser a linha que nos separa de repetições constantes da mesma figurinha, mas não, é mais fácil tentar enganar[mos-nos] os outros com a velha desculpa de que lhes fizeram a cabeça. Afinal aquele episódio em que te agredi fisica e psicologicamente foi fruto da tua imaginação e de uma alucinação colectiva de quem soube dele. Se me vês como louca, vês mal, sempre te disse que devias procurar um oftalmologista, ou quem sabe um neurologista, o louco aqui não sou eu, olha lá para mim e vê se tenho ar de louca. Isto? Ah... estava a cortar a carne. Achas mesmo que te estava a apontar uma faca?
Depois alisamos ao espelho os cabelos desgrenhados, limpamos a espuma do canto da boca e achamos que estamos com olheiras, tudo o resto um pesadelo que sacudimos para debaixo do tapete e esperamos que ninguém o levante e veja a merda que andamos a esconder, principalmente de nós próprios.

O alcance das Biancas

Um dia destes, fui atrás de um link: blogger que visito convidada em blog alheio, e eu atrás do apelo. Adiante, o post era crú e eficaz: a fidelidade, os amores mortos, matados, e o terceiro, o estranho, que desperta e ajuda em caso de marasmo.
Já vimos isto, não foi? Porventura, já o vivemos. Umas já ajudámos, outras já fomos ajudadas, outras ainda, nada, mas vivemo-lo. Se é bom? Não é o que nos ensinam, isso sei. Mas o que nos ensinam é uma demo do que vem a ser a vida, portanto esta é só mais uma. Não é o ideal, mas o ideal vai-se fazendo. Teorias são para os inertes, que se deixam ficar a ver passar o mundo.
O que interessa, o que me ficou, foi que na caixa de comentários fui a única a chegar onde o post chegava - o alcance, lá está -, tudo o resto de desfazia em tretas convencionais "vai desculpar-me, mas amor não é isso", "traição é traição" e outras cordelices saídas das Biancas e Arlequins. Não era de amor que se falava. Ou era, mas por quem o vive e sabe o que pode acontecer. Ou então, refugiados nas Samantas, não o sentem, nem vêem. Comentei, fui atendida "nós cá sabemos, não é?". E é.
E outra vez, a frase de uma amiga de muito tempo, aos vinte anos a concluir: "Abóbora, - ora abóbora, que me ía saindo o meu nome - as bimbas é que são felizes".

O alcance dos erros

26.8.10

(On why we should have stayed fuck buddies)

Sei bem que os erros se pagam e que mais cedo ou mais tarde temos que enfrentar as decisões e opções que tomámos e mais do que tudo responsabilizarmo-nos por tudo o que daí advém. E sabermos assumir sem culpabilização para seguirmos em frente sem ficarmos presos a um passado que não passa duma pedra cujo peso depende apenas do quanto nos fica colado no presente.

Nem sei porque decidi aceitar os teus pedidos constantes para que iniciássemos uma "relação". O sexo era bom, infelizmente muitos dos meus erros começaram por aí porque confundo muito as coisas. Achei que o sexo era mais do que suficiente para cobrir todas as outras dimensões que te faltavam. E talvez tivesse ficado lisonjeada pela atenção tanta que me dispensavas e achei que sim, que talvez fosse uma boa ideia deixarmos definitivamente de lado os nossos encontros sexuais ilícitos para adquirirmos essa tal estabilidade que a palavra "relação" prometia.

Em boa verdade não era só o sexo, tu eras uma pessoa extraordinariamente inteligente e eu adoro bons intelectos. Invariavelmente as nossas conversas enveredavam por caminhos tórridos que nos deixavam à beira do orgasmo, que se cumpria sempre com uma eficácia brutal.

Os problemas vieram depois porque a nossa "relação" implicou que eu abdicasse do meu espaço, numa invasão de "tralha" para a qual não estava preparada e que me deixou em estado de choque. Admitiste finalmente querer partilhar muito mais do que um intelecto fortemente erótico e o suor do teu tesão. E depois querias saber o que eu achava, o que eu pensava, o que faria eu no teu lugar. Querias que assumisse a tua "tralha", que me co-responsabilizasse por ela, que te ajudasse a "arrumar a casa"! E eu que não sou tua mãe, nem tua irmã, nem sequer muito tua amiga entrei em parafuso e acho que sim, que te dei um desgosto daqueles de partir o coração em mil bocadinhos sem saber se haverá reparação possível para tamanho estrago. E durante um tempo ainda aguentei as tuas recriminações porque carregava um sentimento de culpa por te ter "enganado" ao aceitar-te da forma como o fiz.

Pedi-te mil vezes desculpa, nunca me perdoaste (provavelmente com razão). Até que um dia peguei nesse sentimento feito pedra e atirei o mais longe possível, para bem longe daquilo que hoje sou e tenho. Risquei-te como mais um dos meus erros e se agora te voltei a mencionar é apenas como alívio temporário de um certo incómodo que de quando em vez me assola, como um caroço de cereja regurgitado contra uma parede ou como uma espinha que atravessa o goto para ser cuspida contra uma folha de papel em branco. Caía bem dizer que gostava de saber se estás bem, mas na realidade estou-me nas tintas porque espero sinceramente não voltar a ver-te nunca mais.

Onde andam os iguais ?

22.8.10

Passei o dia a matutar nisto e não ía conseguir ir dormir sem vomitar a treta da reflexão e da pergunta.

Parece-me a mim que metade dos gajos andam à procura de uma mãe, e a outra metade à procura de quem controlar facilmente.

O que há de errado em se ter ao lado alguém que seja um igual, em vez de alguém que se considera de uma forma ou de outra superior ou inferior ?

Férias

9.8.10

Tudo de férias, certo? Bom, eu gosto de trabalhar em Agosto. Vá... trabalhar entre aspas, pronto. Entre umas e outras (aspas) que lá vai mais uma historinha.

Chega-me um dia o gajo a casa (à minha) e diz que vai sair de casa (da dele, claro). Que até já andou a ver anúncios na net, gosta do bairro onde mora, que fica a uns dez minutos do gabinete dele.

Os devaneios assaltam-me logo toda (opá, que querem ? eu prefiro continuar a sonhar e depois dar uns enormes trambolhões do que simplesmente apagar a esperança da minha vida). Saltamos os dois para o computador e vemos casa atrás de casa.

Afinal, já vai para dois anos que estamos "juntos" (mmm.... este post está cheio de aspas por todos os lados, enfim). Das 6 da tarde às 9 da noite, durante a semana, é certinho. De vez em quando, ele simplesmente não vai ao gabinete (privilégios das profissões ditas liberais) e eu fico "doente" e não vou trabalhar. São dias que passamos na cama, a rir e a conversar, a fazer amor e planos para o futuro. Escolhemos mobílias, falamos sobre os filhos que ainda vamos ter juntos, inventamos nomes para os dois gatos que hão-de dormir na nossa cama.

Às 7 da tarde (em ponto), a legítima manda a habitual mensagem a perguntar a que horas chega, para ter o jantar na mesa. A cada dia, ele responde "lá pelas 9 e tal". Eu sei que às 8:50 ele vai começar a vestir-se, nem preciso de lhe adivinhar o suspiro. Também sei que dez minutos depois de me ter deixado, já me enterrou naquela parte do subconsciente que ela não consegue ler. Mais ainda, sei que depois do jantar ele terá "trabalho a fazer no computador" enquanto ela fica na sala a ver as telenovelas umas atrás das outras. O trabalho... sou eu, no chat, na webcam, é claro.

Dois dias mais tarde, o desentusiasmo. Eu tinha continuado à procura da tal casa. Um amigo dispunha até de dois espaços para alugar, e eu pergunto-lhe se quer marcar para "irmos" ver (sim, já reparei, este post está cheio de aspas).

A primeira resposta foi o olhar distante. A segunda, as palavras que lhe saem da boca "não vale a pena apressar nada, ainda é só algo em que ando a pensar".

Foi para casa mais cedo, claro. Nesse dia não houve "serão". Para quê ? Por mim, nada mais havia para dizer ou fazer.

Ele volta, eu sei. Volta quando precisar de falar novamente, afinal eu sou a sua "melhor amiga", a "pessoa que melhor o conhece no mundo" (pois, tantas tantas aspas). Também sei que o hei-de aceitar de volta, uma e outra vez. Até me fartar de vez. Porque hei-de lá chegar, um dia.

E nesse dia, quando eu deixar de lhe abrir a porta, só porque já não me apetece nem quero saber, há-de ele acordar. É sempre assim, acordam sempre tarde demais. Mas agora que sei exactamente o que isto é, descobri que jamais viveremos juntos nem concretizaremos sonho nenhum.

Porque EU não quero viver com uma pessoa assim.

E aturar as ciumeiras ?

22.7.10

Diz o gajo que é casado vai para mais de vinte anos. Diz o gajo que desde que a filha mais nova nasceu, ele e a mulher simplesmente co-habitam, um abraço fugidio aqui, outro ali. Eu vou acenando com a cabeça, como se compreendesse e acreditasse em tudo.

Não compreendo. Não acredito. Mas faço de conta que sim, e depois dos desabafos o sexo é óptimo, há que admiti-lo.

Um último cigarro partilhado e lá vai ele, ao encontro do resto da vida de que não faço nem quero fazer parte. Aproveito para comer e ligo o portátil, faço a ronda habitual pelos mails, facebook, twitter, blogs, respondo a um comentário aqui, fico a pensar em posts que tenho que escrever mas estão ainda a amadurecer cá dentro.

Meio a devanear sobre um texto quase já todo escrito na minha cabeça, poiso o portátil ao lado e acendo a televisão. Apanho a série "Ossos", yay, é uma das minhas favoritas !

Quando dou por mim, são oito e meia da manhã e adormeci tal como estava. No portátil ainda ligado, tenho dez chamadas por atender no skype e quatro mensagens muito pouco simpáticas. No telemóvel, outras três chamadas não atendidas e um sms. Aparentemente "estive no skype". Com outra pessoa, claro. E não lhe atendi chamadas nem liguei nenhuma, o que aparentemente resultou num enorme ataque de paranóia.

Ainda aqui há dias, só mesmo para picar, lhe perguntei se ele teria ideia do que andaria a legítima a fazer naquele preciso momento. A resposta, foi um encolher de ombros indiferente e algo como 'não quero nem saber'.

Vou acordando, apagando tudo clique a clique e fico a matutar no drama todo que se desenrolou enquanto eu dormia calmamente. Envio de volta um sms que diz apenas "huh?". Não tenho bem a certeza se quero continuar a ser actriz neste filme. Se a mim não me pesa a consciência, não tenho que levar com os pesos das dos outros, certo? Engraçado isto, de não conseguirmos fugir à nossa subjectividade e corrermos a julgar a Outra pela nossa própria bitola de adúltero...

Visto cá de cima

21.7.10

O meu nome é Eva. Mas podem tratar-me apenas por "A Outra", se quiserem. Claro que de tempos em tempos cada uma de nós é A Outra na vida dos gajos com quem vamos estando. Porque existem outras prioridades, pessoais ou profissionais, é claro. E na realidade, muitas vezes eles também descem uns pontos nas nossas próprias prioridades e passam a ser eles O Outro que empata e nos limita.

No meu caso, contudo, eu sou realmente A Outra. Sou o serão no escritório, o projecto que tem que ser entregue dentro do prazo, a súbita reunião no estrangeiro que calhou em tão má hora.

Mas fiquem descansadas, não vim com o objectivo de vos contar nenhuma história de fazer chorar as pedras da calçada. Achei apenas que seria útil poder proporcionar uma perspectiva diferente. Sei lá, pode até ser que vocês desse lado, as legítimas esposas, começem a olhar-nos de outra forma e se apercebam de quanto acabamos por vos facilitar a vida :)

Ou seja, vai ser assim: estórias e historietas, umas engraçadas, outras nem tanto. Todas baseadas em factos reais e vividas por quem tem, pelos vistos, vocação inata para se meter com esse gajo com quem são casadas, com quem vivem, para quem vivem, seja o que for.

Volto em breve com a primeira. Até lá... descontraiam e aproveitem as férias tanto quanto possível, sim ?

o alcance do ego

13.7.10

tenho um amigo que é a pessoa mais egoísta que conheço. mas por ser católico e amigo de padres diz à boca cheia "somos todos tão egoístas". como se a mera noção de o ser o tornasse menos virado para si próprio. somos tão egoístas e tudo a ficar na mesma somos tão egoístas e um encolher de ombros um risinho somos tão egoístas, uns tontos nós, que maçada a natureza humana.
és assim também, virado para o teu ego como um espelho gigante onde reflectes os outros. e talvez não fosse tão devastador senão tivesses antes de ti uma série deles que não foram assim, senão tivesses do lado oposto do campo um que não é assim. nesse caso, mesmo ele sendo assim, mais feio, menos interessante, menos excitante e até - atrevo-me a dizer - pior na cama, tu perdes e ele ganha. temos pena.

o alcance do inalcançável

8.7.10

também eu meu caro pensei que quando me apaixonasse iria ser tudo maravilha passarinhos a cantar a vida atráves dos óculos cor de rosa e essa merda toda. lembro-me que um dia fiz um coração no status do facebook porque aprendi a fazer nesse dia corações e de alguém ter assumido que aquilo era uma declaração e eu ter de negar com o coração pesando quilos eu nunca me vou apaixonar. eram quilos de pena.

como era possível ter-me esquecido deste sentimento de insuficiência que acompanha estas coisas? do coração a pesar quilos do não me liga não gosta de mim não quer saber no matter what.


não há maneira é isso fofo. não há maneira de fugir à infelicidade.

o alcance dos códigos

22.6.10

às vezes acho que o problema é a nossa comunicação ser cifrada.
não temos culpa de ser pessoas que não gostamos de falar com as palavras todas.

receber uma mensagem que diz só tá boa? e ter de assumir que lá está escrito o que fizeste hoje? ouvir foi bom falar consigo este bocadinho e imaginar estou cheio de saudades tuas porque não te vejo desde domingo e ainda me faltam dois dias inteiros para te voltar a ver. ouvir ah não sei bem quando volto e pensar que o que estava por trás era embora possa ficar fora duas semanas vou ficar só uma. ouvir gosto de estar consigo e pensar que era mesmo um disfarçado amo-te.

nos outros dias todos penso que afinal o problema é eu ver códigos numa linguagem que é apenas linear e que diz aquilo que as palavras dizem.

o alcance da simplicidade

16.6.10



Olha para a fotografia acima. É apenas um fruto mas sabes tu a quantidade de milhões de anos que foram necessários para chegar a esta forma? Imaginas quantos ficaram pelo caminho, por não possuirem um sistema de transporte de alimentos suficientemente perfeito, por não terem uma forma que se adaptasse com exatidão à sua função de fruto?

A nós não nos é exigido tanto, é tudo muito mais simples. Se errarmos, a grande maioria das vezes, poderemos corrigir esse erro. Se não conseguirmos poderemos sempre seguir caminho sem cometer o mesmo erro porque é para isso que servem os erros. Para ensinar.

A nós não nos é pedido que sejamos perfeitos. Apenas que arrisquemos. Se nem isso queres fazer, pois paciência. Há caminho à nossa frente para seguir. Vários aliás. Aprendamos com o nosso erro. Eu a não insistir no que está estragado. Tu a...qualquer coisa que não me interessa minimamente.

o alcance dos sentimentos

8.6.10

O Pedro diz O maior inimigo da amizade é o amor.

mas

O maior inimigo do amor é a vida. São os dias. As noites. Os amigos. Os filhos. As casas. Os carros. O trânsito. Os dias de sol. A chuva. Os dias bons. A doença. A tristeza. O dinheiro.

O amor já tem tudo contra ele à partida. Portanto se a amizade tiver apenas um inimigo, terá grandes hipóteses de sobreviver.

o alcance da tranquilidade

7.6.10

tranquilidade. passamos metade da vida a fugir dela e a outra metade à procura dela.

O alcance das cerejas

2.6.10

Saiu de casa sem saber se havia de voltar atrás para lavar aquela mão mas decidiu continuar. Sorriu satisfeito porque afinal após tanta conversa (mero paleio, palavras sem propósito, palavras caídas) bastou um olhar para que ali mesmo, no meio dos destroços, ela se desfizesse em gemidos sensuais que se lhe enrolaram à pele criando-lhe o maior tesão de todos os tempos.

Tinha chegado há escassas horas atrás, cheio de pressa e já levando um atraso significativo para mais uma reunião com aqueles clientes que nunca estão certos que o negócio será o melhor das suas vidas. Entre ensaios de argumentos prontos a esgrimir deparou-se com a mulher acabada de sair do banho, ainda molhada e quente, a comer cerejas na cozinha. Não soube bem porquê, já não sentia aquele formigueiro desde que ela lhe tinha dito que estava tudo acabado entre eles, que estava farta das suas longas ausências. Distraidamente serviu-se de um copo de água gelada, porque estava mesmo cheio de pressa e precisava de manter a lucidez para a reunião que se seguia. Balbuciou mais um "hoje venho tarde..." enquanto ela comia as cerejas, saboreando-as, chupando-as, deixando escorrer-lhes o sumo por entre os dentes, sorvendo, absorvendo e esperando.

Quando acabou de beber a água, viu-a praticamente nua à sua frente, selvagem de repente, ela que sempre tinha primado por uma imagem de discrição acima de tudo e todos. Gritou-lhe, berrou, chorou, voltou à carga com todos os argumentos já mais que batidos entre ambos. Tinha a certeza que ele tinha uma amante, outra mulher que lhe satisfazia os caprichos e desejos. E estava de farta de esperar por ele, que um dia se dignasse a olhar para ela como fizera no início. Cheia de cerejas e farta de desespero, agarrou em tudo o que viu à frente e atirou... contra as paredes, contra o chão, contra ele.

Aproveitou um momento de cansaço para se aproximar dela e agarrá-la pela cintura. Sem palavras, esgotadas, beijou-a com desejo e sentiu o calor à mistura com o aroma intenso das cerejas. Nunca na vida se lembrava que ela lhe tivesse cheirado assim e quando mais inalava mais perdido se sentia. Desfez-se das roupas que subitamente o aprisionavam causando-lhe uma falta de ar inesperada. Ela já estava à sua mercê, percebeu tão bem que ela precisava dum orgasmo tanto ou mais do que ele. De joelhos ela, submissa, e ele penetrando-a por trás, sentido um calor intenso subindo-lhe do sexo até aos olhos, à boca.

Molhada, escorria, puro sumo de cereja à mistura com algo indescritível de bom, de inebriante, de puro e total descontrolo. Não queria vir-se nela, não queria ter que provar aquilo que era seu, preservando assim o sabor que dela escorria. Quando se sentiu, virou-se e aproveitou para regar as paredes com a força do seu jacto, uivando como se fosse a primeira vez que assim se esvaziava.

Ela continuava de joelhos ofegante, à espera da sua vez e ele não se fez rogado. Mantendo-a na mesma posição baixou-se o suficiente para poder finalmente saboreá-la, sentindo de novo o tesão a formar-se à medida que introduzia a língua no seu sexo molhado, quente, cheio de cerejas e mel. Sentiu-a fraquejar, gemendo, aproximando-se dele para que lhe pudesse tocar mais, dentro, fundo. Depois de saciado introduziu-lhe um dedo, depois outro, e sentiu o sexo dela a latejar por dentro. De olhos fechados e deixando-se guiar pelo instinto aplicou-se nas massagens que lhe fazia sentindo o fluxo aumentar por entre os seus dedos. De repente ouviu algo parecido com o estalar de um jarro de água e sentiu o esguicho molhando-lhe completamente a mão, deixando-o com um tremendo tesão.

Mas já era tarde e tinha que sair, levantou-se, vestiu-se e repetiu "hoje venho tarde..."

(Ela sentiu um ligeiro soluço a formar-se nas entranhas. Deixou-o subir e reparou que afinal era um caroço de cereja. Mais um, e outro. Cuspiu-os enojada. Mas vinham mais a caminho, prenúncio duma má disposição inadiável. Não devia ter comido tantas cerejas pensou, à medida que com o jacto que entretanto se formara varria as paredes que antes outros fluidos haviam regado...)

A inocência dos silenciosos

1.6.10

Ela cala-se, emudece, baixa a cabeça quase em vénia. Ouve as palavras ditas em propositado descuido, escolhidas, parece-lhe, ao acaso, como que ali caídas nas mãos que se movem vagamente, na direcção de pardais que escondem o olhar -em vénia perante a migalha - que se podem assustar. Sim, há medo e migalhas à mistura e palavras caídas. Há anjos caídos, também, trespassados por setas cuspidas de corações furados. Há mãos em sangue das bicadas de pássaros inocentes. Há Alices que partem espelhos na cabeça de gatos que já deixaram de sorrir. Há o caçador e a mãe do cão. Há tempo a perguntar as horas ao tempo que passa. Há tantas coisas e nada é exactamente aquilo que não parece. São só palavras. Só palavras.

O alcance dos perfis

26.5.10

Saltitando de perfil em perfil e já nem sei como, sinceramente, mas o mundo é tão, mas tão penico e, de repente, salta-me à vista a criatura. A criatura que era tão mas tão anónima, tão escondida, tão reservada, mas o mundo também pula e avança e a pressão social de família e amigos terá sido grande, ei-la ali, em todo o seu esplendor de cara e nome no FB. Oh, perfil todo aberto, a mostrar que apenas se usa aquilo por desfastio, agora este amigo adicionado, agora aquele ali e ali de lado, a prole, pois claro, a prole que usa entusiasticamente o FB. É isso então, a pressão, de certeza e eu a linkar no perfil da prole e a prole, desenxergadíssima, tudo aberto, centenas de fotografias para toda a gente que quiser ver, a demonstrar que em casa de ferreiro, espeto de pau: progenitores que eram tão anónimos, tão devassadores da privacidade dos outros e furiosos protectores da deles e a prole, ali, escancaradinha da silva.
Não me interessa muito, confesso, não me interessa grande coisa, mas vou ver, já agora, deixa cá ver a tromba da criatura e da família. Rugas e peles descaídas, estava-se mesmo a ver, a velhice e a desistência já tão anunciada. E desato a rir, a rir, a pensar, ah que vingança, cá se fazem e cá se pagam, a criatura, desinfeliz e a família, feia, sem graça, sem pinta, sem charme, sem coisa alguma que mereça mais que dois minutos de olhar e fechar a janela. Nem precisei de fazer nada, o tempo encarrega-se de tudo, leva tudo, quando se desiste. Azar.


O alcance dos escadotes

Tenho andado aqui às voltas sobre qual a maneira de responder à Tricia ali em baixo porque a indignação não é um bom ponto de partida para se começar a escrever seja o que for e onde for! Mas aqui é onde um dia achámos que íamos ter escadotes, para alcançar mais além, para lá dos muros e dos fastios e das rotinas e de tudo o que nos faz querer fugir de lá para vir para aqui! Há um mundo, como diz a Tricia, mas esse mundo não é o nosso! Fingimos que lá estamos, quando temos que estar, sorrimos beatificamente, quando tem que ser, e fingimos que somos iguais ao resto da parra quando a verdade é que… aqui somos super uvas, o supra-sumo da melhor uva que algum dia se produziu em solo algum por esse mundo fora e noutros mais que houver!

Não temos que nos fazer melhoríssimas da silva porque sabemos que o somos! Aqui somos! E lá também, mas lá é diferente por causa das "virtudes" e "qualidades" que muita educação restritiva nos impôs ao longo de toda a nossa existência. Fica feio evidenciarmo-nos porque temos que pensar nos outros e a humildade e a submissão e porque há outros maiores e melhores, de certeza que só pode haver dizem-nos e diz-nos o nosso egozito que começou a apanhar desde o dia em que nasceu.

Mas isso era antes dos escadotes porque agora podemos subir e vir para aqui e aqui não temos que fingir nem temos que concordar com os modos do mundo de lá. Aqui somos todas irmãs, mulheres, melhores, maiores! E entre nós temos esta união quase ancestral que nos fortalece e nos impele a subir aos escadotes que umas e outras vão deixando pelo caminho… por isso e por muitas outras coisas querida Tricia te digo que o nosso caminho só pode ser ascendente! Estes escadotes não têm modos de se descerem! Encontramo-nos lá em cima? :)

o alcance do acaso

24.5.10

Um dia vamos ao café em frente a casa comprar cigarros, como é hábito no estabelecimento, não têm moedas. Apesar da chuva iminente, vamos até ao fundo da rua onde sabemos que nos vendem tabaco, mesmo que não tenhamos moedas. No trajecto uma placa chama-me a atenção, mas, ainda assim seguimos caminho. A placa continua a pairar na mente. Compro os cigarros para mim e uma pastilha para ele. No caminho para casa, novamente a placa e paramos e olho e volto a olhar. A cabeça a mil e um sonho ali tão perto. Meia dúzia de passos à frente e recolho a informação fundamental que não constava na placa. Seguimos caminho, eu levo os cigarros na carteira, ele mastiga a pastilha. A cabeça a duzentos mil. Borbulham ideias, assaltam dúvidas, a cabeça não pára e o entusiasmo cresce. Chegamos a casa. Não páro, contínuo num constante frenezim. Ideias que procuro, ideias que me assaltam, dúvidas que se levantam. Acendo um dos cigarros que comprei e que trazia na mala. Inspiro o fumo e antes mesmo de o expelir já tenho o cenário do sonho montado na cabeça. Algumas das soluções já estão encontradas. A dúvida essencial resiste ainda sem solução. A cabeça não pára e já dói. Consigo ter uma imagem nítida, mas tenho de acordar e viver.

O alcance do protagonismo

22.5.10

Somos umas burras, é o que é. O que deveríamos fazer era fazer que somos mais do que somos. Deveríamos dar a impressão que somos muito mais do que o realismo nos deixa, dar a ideia que a última coca-cola do deserto é aqui mesmo, não há mais ninguém capaz de tudo quando conseguimos, enfim, somos as maiores em toda a verdadeira acepção do conceito.

Não é que nos encolhamos ou nos façamos menores, mas seremos realistas e ao mesmo tempo convictas que somos boas, muito boas mesmo, mas haverá melhores, piores, ou até talvez sejamos as melhores, mas achamos que não temos que nos fazer de melhoríssimas da silva. Mais, achamos isso uma vaidade inútil, uma vacuidade, achamos talvez que tanta parra esconde pouca uva, que o nosso mérito falará por nós, que temos valor e ética e basta.

Nada mais errado. O mundo não funciona assim. O mundo, feito de medíocres que se auto promovem sem qualquer pingo de vergonha, só reconhece os seus pares. Nós? Nós não passamos de umas burras. E, provavelmente, para além de o sermos, somos vistas como tal.

at last

20.5.10


Vertigo














O alcance dos mantras

19.5.10

Há uns dias dei comigo a pensar exactamente o que está no post "o alcance da correria". Foi depois de ter levado uma chapadona psicológica das grandes, quando ouvi na voz infantil da verdade "estavas a rir tanto e nunca te vejo assim". Oh, que me rio muito, é certo. Mas talvez não me ria às gargalhadas o suficiente, ou com as pessoas que me querem ver rir às gargalhadas felizes, as pessoas a quem faz mais falta que me ria às gargalhadas felizes. Assim, por nada ou coisas parvas, mas confesso que a fazer o jantar ou a pendurar roupa, enquanto faço contas mentais a orçamentos familiares e mais a fruta que está verde ou tem mosquitos, não consigo encontrar motivos para rir. Gosto de arranjar morangos em silêncio, é certo, mas não me rio, sorrio só. E o pior é que não não-me-rio não é por infelicidade, que sou muito feliz, muito obrigada, é que falta tempo: mesmo quando se é feliz, falta tempo para se ter tempo de estar feliz e alegre.

E nesse dia decidi que se acho que se tem que se ser feliz nem que seja à biqueirada, também temos que estar felizes nem que seja à biqueirada a nós mesmos, aos nossos problemas e às nossas chatices. Não é cagar no assunto que as contas não se pagam sozinhas, o tempo não estica e as maçadas se vão embora e não é relativizar que com o mal dos outros posso eu bem e pimenta no cu dos outros e essas merdas todas e quando uma pessoa tem chatices, até podem ser merdosas se comparadas mas temos pena, são as aqui deste lado, as nossas, essas é que aborrecem e moem. Cada qual com as suas e estamos cá para apoiar as dos outros, pois está claro, mas já agora que apoiemos também as nossas, dá algum jeito.

Decidi que temos que estar felizes pelo menos uma vez por dia, ou dez ou assim. Não interessa a que horas ou porque razão, que o estar feliz e alegre é contagioso, se um dia for uma vez, da próxima é mais fácil serem duas e logo se chegará às alturas certas. Por agora e como primeiro passo, é estar-se feliz nem que seja a ouvir o genérico da TSF no meio do trânsito. É como aquelas pessoas que não gostam muito de água mas têm que a beber: metem um aviso no computador e tudo. De tanto em tanto tempo, beber um gole ou um copo. É isso, é beber água mesmo a horas incertas, que seja.

E é o mantra do "foda-se agora estica a boca para os lados, vá lá, não custa nada e ri-te, minha parva".

o alcance da correria

Gostava de ser psicóloga e assim podia chamar síndrome a este enfadamento de que parecem padecer todas as pessoas. Está tudo farto. Farto dos impostos, do sócrates e das vuvuzelas, do preço da gasolina e dos números do desemprego, da crise e dos políticos, da chuva e do frio. Está toda a gente com o síndrome não-me-chateiem-mais-que-estou-prestes-a-gritar. Os sorrisos já não são de felicidade, são esgares momentâneos, muitas vezes apenas de boa educação, alegrias só as compulsivas porque o Benfica ganhou. Ninguém está bem, toda a gente se queixa de qualquer coisa. Do dinheiro que precisa e não tem, do tempo que não tem e precisa, do chefe ou do subordinado. Andamos para aqui todos com queixas sobre o mesmo, com as mesmas angústias a fazer as mesmas contas. Levantamo-nos ao terceiro ou quarto toque do despertador do telemóvel e entramos no corre corre diário, autómatos às pressas para chegar onde temos de ir por obrigação. Por vezes, durante mais uma paragem do trânsito, deixamo-nos levar pelos pensamentos e no quanto está errada a nossa vida, instantes, até o carro da frente voltar a andar alguns metros ou o sinal encarnado passar a verde. Passam-nos as horas do dia por entre os dedos até voltarmos novamente à correria do contra relógio. No caminho em que o sol se põe os instantes são para pensar no jantar, nas compras do supermercado, no trabalho que ficou por fazer. E continuamos em piloto automático, sempre em piloto automático, autómatos, robots escravos do ordenado que temos de ganhar e das contas que temos de pagar. O sonho dos instantes da manhã, altura em que somos sempre mais fortes, que está sol e somos todos invencíveis ficou lá atrás, agora temos pela frente a realidade e baixamos a cabeça que não há volta a dar e há que aguentar enquanto a maior volta ou viragem que damos na vida se resume à volta no esparguete e ao virar do bife. À noite, quando tudo está mais sossegado entregamo-nos à letargia do rato que já nem a televisão aguentamos, até nos deitarmos demasiado tarde para arrependimentos continuando no contra relógio porque até para dormir temos de ter pressa e assim adormecemos, fartos.

o alcance da esquizofrenia direccionada

Há algum tempo que o marido lhe tinha dado mostras de que o casamento se estava a tornar num fardo, conversaram. A vida para ela seguia o seu rumo, para ele não. Já não sentia satisfação nenhuma naquela relação. O casamento tinha-se tornado naquilo que os outros esperavam ver e não no que era suposto ele sentir. Ele voltou à carga e falou pela primeira vez em separação, ela respondeu com a ameaça mais comum, os filhos. Que mudava de cidade e que tudo faria para colocar os filhos e toda a gente contra ele. Ameaçou, chorou, barafustou e seguiu a sua vida. Ele sentiu o mundo dele a afundar-se. Uma luta do bem estar contra o mal com que o ameaçavam chegou a fazê-lo repensar tudo. Ao repensar também teve de ponderar que não queria ser prisioneiro e avançou. Mal o carrasco sabia que lhe tinha dado o empurrão que faltava. Acabou por deixá-la, saiu de casa debaixo de gritos e ameaças alternadas com choros e promessas de amor, ainda assim, saiu. As ameaças dos filhos foram cumpridas, mas apenas em parte. Ele está com os filhos o mesmo tempo que a progenitora teria como direito se utilizasse esse tempo para estar verdadeiramente com as crianças ao invés de as deixar com um dos escravos que tem para essas tarefas. Mas parte da ameaça foi cumprida e a cabeça das crianças é um verdadeiro carrossel. Nos momentos de tédio alterna sms de amor profundo e verdadeiro com ataques de ódio e rancor. Tudo serve como arma e, todos que agora circulam à volta dele, servem como alvo.
A sanidade mental dele é posta à prova de muitas formas. Se de manhã acorda com um sms digno de amante saudosa, à tarde é um mail completamente contraditório e à noite é um mms convidativo com a foto da depilação da zona genital. E ele, paciente, atura, na esperança que um dia a ex-mulher tenha um pingo de vergonha na cara, engate o primeiro e siga a sua vida.

o alcance da ralé

18.5.10

A ralé é uma espécie em franca expansão. Pessoas (?) que se mostram em público como detentoras de um carácter sem pingo de mancha, de uma índole digna de anjo acabadinho de cair na terra. Dentro de portas, quando a cortina se fecha são da pior escória. Mentem, inventam, roubam até. Depois voltam a pôr a cabeça fora da cortina e fazem um sorriso inocente à espera de mais aplausos, um ar cândido, ou pior, de coitadinhos à espera da simpatia alheia. Usam todos os truques para tirar do sério os outros, os que não pararam no tempo, no caminho. Despertam nos outros os piores sentimentos, sentimentos iguais a si próprios, vingativos. Espalham dor e mágoa, semeiam ódios de sangue (que bem te ficava a cara esborrachada, se te pudesse dar estalos até as minhas mãos sucumbirem). Às vezes cai-se no engano de achar que talvez se lhes dissessem na cara a merda que são elas acordavam e tornavam-se finalmente em pessoas em vez dos animais que na realidade são, mas não, é puro engano, a ralé não tem consciência, não tem sentimentos nobres por ninguém e triste mesmo é saber que nem dela própria, senão não seria ralé.
As artimanhas dignas de uma novela espantam quem não conhece o poder de alguém ralé, afinal a ficção é ficção e a realidade é a realidade. Puro engano. As artimanhas são as mesmas, apenas as vemos de um dos lados e não de todos os lados como na tv. Capazes de criar armadilhas ardilosas para quem não tem no olhar o alcance da maldade humana. Passa-se rapidamente do estado de filha pródiga, de menino acólito, mãe de família ou pai estremoso ao estado de cabra da pior espécie, de filho da puta insensível, dignos de acabar a novela a levar um enfardamento à medida. Brincam com a vida das pessoas, com o ganha pão de quem dele precisa para alimentar a prole, difamam sem dó nem piedade apenas com o intuito de se continuarem a ver pelos olhos dos outros, porque ao espelho nem vão, com medo da imagem decadente que sabem que têm. No fundo sabem.

O alcance da desfaçatez

22.3.10

O padre passava por ali quando ouviu uma grande comoção. Ia apressado, com o livro de orações pela mão, e ainda queria passar na Dona Arménia a pedir-lhe mais uma encomenda de bolinhos com que presenteava as crianças que recebia na catequese. Seria talvez uma espécie de suborno mas ele tinha a certeza que Deus compreenderia a pequena artimanha a que recorria para evitar o esvair de sangue fresco dos bancos da sua velha igreja.

Não queria parar ali, não tinha tempo mas alguém o viu e soltou uma exclamação. "Está ali um padre! Vamos chamar o padre!" E várias pessoas se viraram e começaram a avançar na sua direcção empurrando-o naquilo que parecia ser um monte de metal à mistura com carne humana. Era um acidente, uma ocorrência estúpida e trágica daquelas que não lembrariam ao Diabo. Um rapaz tinha tirado o capacete da mota no sinal, talvez devido ao calor que se fazia sentir, e estava distraído quando a ambulância em marcha de urgência avançou. O sinal passou a verde e de repente o rapaz desapareceu, por baixo da mota, por baixo dum autocarro que entretanto tinha embatido de frente na ambulância. Havia um cheiro forte a sangue, mas parecia que estavam todos vivos, isto é, todos vivos menos o rapaz do amalgamado de metal e sangue. Foi por ele que foram chamar o padre, para que ao menos lhe administrasse os últimos ritos, a extrema unção, antes que soltasse o derradeiro suspiro.

O padre hesitou, não estava habituado a lidar com casos tão extremos. Uma coisa era ser chamado para ir a casa, sentar-se à beira duma cama onde há muito jazia o corpo de algum idoso prestes a entregar a alma ao Criador e ajudá-lo na transição duma forma pacífica mas firme, arrancando uma confissão ali mesmo ao virar da esquina que separa a vida da morte. Outra coisa era ser apanhado assim sem estar preparado, e para mais não se sabendo se a vítima ainda estaria consciente, condição indispensável para que o padre se predispusesse a administrar a dita unção. Também é verdade que não trazia consigo o óleo, mas esse era mero acessório, o que interessava era o canal, a comunicação, e a sua abertura de espírito pronta a acolher uma alma à beira do tormento final.

Acercou-se do rapaz que ainda estava vivo e perguntou-lhe se estava pronto para confessar todos os seus pecados e limpar assim a sua alma antes que fosse demasiado tarde. Olhou e sentiu, sentiu uma pontada grande, um formigueiro, uma angústia, um sufoco repentino. O rapaz tinha-o reconhecido! Mesmo envolto em metal, conspurcado de carne viva e sangue, mesmo a pontos de sentir o último estertor, as memórias vinham-lhe em bocados, à mistura com as lágrimas de sangue que corriam agora mais intensas.

Lembrava-se do primeiro dia, do primeiro bolinho, da primeira festinha, a primeira carícia, o primeiro beijo, a primeira vez que aquela mão lhe tinha subido pelos calções adentro, tocando em partes que eram só dele, que já nem as mãos da sua mãe conheciam.

Lembrava-se de se ter sentido orgulhoso, de se sentir o escolhido, o preferido, mais importante que todos os outros meninos. Até que um dia o orgulho se transformou em ódio, à medida que o padre o queria mais e mais, mantinha-o na sacristia tempos infindos, e a mãe orgulhosa do seu menino tão aplicado e tão beato. E o padre sempre querendo-o mais e mais, agora já não era só a mão, agora despia-se e obrigava-o a ajoelhar-se à sua frente, para que o seu sexo duro e quente o pudesse penetrar, uma vez, duas vezes, cinco vezes, trinta, quarenta vezes, tantas que havia dias que o miúdo já nem aguentava e desfalecia-lhe em cima do pénis sempre duro, sempre insatisfeito, sempre querendo mais daquele pequeno, ingénuo, frágil corpo de pequena ave sem asas nem liberdade.

Lembrava-se da vergonha, do nojo, de se sentir porco em permanência, desejando que o padre morresse todos os dias, de uma morte bem lenta e agonizante. Que todas as suas dores se transferissem para o Diabo que agora sabia ter conhecido, escondido sob o mais perfeito disfarce.

Lembrava-se de um dia ter tentado contar à mãe, ao pai e de lhe terem dito que inventava, que caluniava, que imaginação meu Deus!! Então e logo o senhor padre, que era tão bonzinho para as crianças, tão generoso, tão humilde!! Que ele era um ingrato, que se houvera alguém era ele que estava possuído pelo Diabo! A mãe então demorou muito até voltar a falar-lhe olhos nos olhos e até à sua morte nunca acreditou naquela história mirabolante que o filho que contara!

Agora ali estava ele de novo, o padre, querendo administrar-lhe os últimos ritos e pedindo-lhe que se arrependesse de todos os seus pecados! E reconhecendo-o! E ainda sentindo a chispa da luxúria, queimando-o mais do que os bocados de metal ardente enterrados na sua pele. "Não quero..." murmurou ele, "NÃO!" Mas os outros, aqueles que assistiam aos seus últimos minutos reprovando-lhe aquela negação do divino, insistiam com o padre para que continuasse, que lhe administrasse os ritos na mesma, que podia ser que Deus se compadecesse da sua alma, mesmo sem o devido acto de contrição.

E o padre feliz por prosseguir, acariciando-o de novo, como dantes. Os dedos escorregando-lhe pelos olhos, pelo nariz, pela boca, fazendo sinais de cruz, várias vezes, muitas vezes, muitas mais do que as necessárias, vivendo, bebendo ainda o pouco que ainda emanava daquele corpo tão jovem, tão vigoroso, tão quente. Comendo-o, bebendo-o, sugando-o tal como dantes, pior do que antes! E ali ficou o padre, acariciando-o até ao fim. E depois todos se compadeceram com a ternura do padre, tão bonzinho, tão generoso, tão humilde. E todos se foram a pensar que seriam precisos muitos mais padres assim no mundo para nos salvar a todos do Fogo Eterno do Inferno!

(E que venham eles, que nos comam as crianças, que lhes partam as asas antes mesmo de saberem voar e um dia saberemos porque todos juntos permitimos e causámos que seres execráveis, em nome dum Deus que eles próprios inventaram, invadissem o espaço, o corpo, a alma dos que não podem, nem sabem defender-se...)

O alcance do calendário perpétuo

8.2.10

Devia ter percebido que algo estava errado no dia em que o meu relógio de calendário perpétuo parou. A garantia indicava um tempo de vida útil de mais de 100 anos, ambos achámos que seria daqueles relógios a passar à geração seguinte, assumindo que o quereriam que hoje em dia relógios de pulso é coisa rara de se ver.

No dia em que parou, um dia triste de Inverno, não demos importância ao caso. Achámos que tínhamos sido enganados por um marketing persuasivo, mais tu do que eu. Eu apaixonei-me pela longevidade da pequena geringonça, imaginando-o feito de milhares de minúsculas micro-peças onde tudo parecia encaixar-se na perfeição. Igual todos os dias, indiferente à passagem inexorável do tempo! Até ao dia em que deixou de funcionar.

A partir de aí, mesmo que me esforce por não relacionar os eventos, não posso deixar de pensar que nada do que venha de nós é perpetuo, seja objecto ou sentimento. O tempo que decorria com uma precisão até então matemática virou-se do avesso, impossível de controlar. Passavam minutos que pareciam horas, até dias! E depois havia dias que desapareciam como meros segundos. Os interesses ficaram todos baralhados, imprecisos lá está, pela falta da precisão do rotor de quartzo que deixara de funcionar.

Eu que primava por uma pontualidade germânica deixei de saber a quantas andava. Chegava atrasada a todo o lado, correndo atrás de um horário rigoroso que deixara de conseguir cumprir. Cortava nas horas de sono para conseguir compensar, mas isso só fazia pior, porque no dia seguinte demorava ainda mais tempo a terminar as tarefas diárias do que antes. Até que um dia não aguentei mais e deixei de correr atrás do tempo (de ti) e quase que me despedi da vida (de mim). Apaguei uns dias da minha existência, podem ter sido uns meses, ou até uns anos, não sei, já não possuo o relógio de calendário perpétuo para me ajudar a cortar o tempo, em unidades perfeitas e redondas produzidas pelos seus milhares de micro-peças.

Hoje os meus dias são todos irregulares, uns enormes, outros minúsculos, a vida anda-me aos zigue-zagues em vez de seguir o curso regular de há uns anos atrás. Assumo que ainda sinto um certo ressentimento pelo velho relógio que deixou de funcionar. Pode ter sido um presságio, uma mera coincidência entre tantas outras, mas para mim esse momento foi o princípio do (nosso) fim. E é uma grandessíssima pena, porque eu gostava tanto daquele relógio!