o alcance da correria

19.5.10

Gostava de ser psicóloga e assim podia chamar síndrome a este enfadamento de que parecem padecer todas as pessoas. Está tudo farto. Farto dos impostos, do sócrates e das vuvuzelas, do preço da gasolina e dos números do desemprego, da crise e dos políticos, da chuva e do frio. Está toda a gente com o síndrome não-me-chateiem-mais-que-estou-prestes-a-gritar. Os sorrisos já não são de felicidade, são esgares momentâneos, muitas vezes apenas de boa educação, alegrias só as compulsivas porque o Benfica ganhou. Ninguém está bem, toda a gente se queixa de qualquer coisa. Do dinheiro que precisa e não tem, do tempo que não tem e precisa, do chefe ou do subordinado. Andamos para aqui todos com queixas sobre o mesmo, com as mesmas angústias a fazer as mesmas contas. Levantamo-nos ao terceiro ou quarto toque do despertador do telemóvel e entramos no corre corre diário, autómatos às pressas para chegar onde temos de ir por obrigação. Por vezes, durante mais uma paragem do trânsito, deixamo-nos levar pelos pensamentos e no quanto está errada a nossa vida, instantes, até o carro da frente voltar a andar alguns metros ou o sinal encarnado passar a verde. Passam-nos as horas do dia por entre os dedos até voltarmos novamente à correria do contra relógio. No caminho em que o sol se põe os instantes são para pensar no jantar, nas compras do supermercado, no trabalho que ficou por fazer. E continuamos em piloto automático, sempre em piloto automático, autómatos, robots escravos do ordenado que temos de ganhar e das contas que temos de pagar. O sonho dos instantes da manhã, altura em que somos sempre mais fortes, que está sol e somos todos invencíveis ficou lá atrás, agora temos pela frente a realidade e baixamos a cabeça que não há volta a dar e há que aguentar enquanto a maior volta ou viragem que damos na vida se resume à volta no esparguete e ao virar do bife. À noite, quando tudo está mais sossegado entregamo-nos à letargia do rato que já nem a televisão aguentamos, até nos deitarmos demasiado tarde para arrependimentos continuando no contra relógio porque até para dormir temos de ter pressa e assim adormecemos, fartos.

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