O alcance do capricho

31.10.09

"Vá, que isto não é conversa para ti" e eu feita criança a querer desmentir tudo "nada disso, eu também gosto de sexo, sabes lá o que ía ser vires comigo um dia destes" E calo-me. Porque não tenho de to dizer. Porque soaria infantil e idiota. Porque és tapado como tantos, e achas que saber estar é conversar, não dizer asneiras não é de quem goste de cama. Think again Sherlock. Se tu soubesses as alterações fisiológicas (sim, pá, vê se cresces, as pessoas não sentem só o coração a bater) libidinosas e luxuriantes que me causas a milimetros de distância não só te calavas, como fugias a correr.
O que eu gostava de encontrar num homem era a mistura de dois mundos, parece-me: básico no approach - o que eu gosto de um "anda cá que és minha" pegada pelo braço com uma mão forte, homem a cheirar a homem, mas que perceba as diferenças. Sem ter de as evidenciar.
Tive um,já não tenho.

O alcance do impossível

12.10.09

é bem sabido que aquilo que não podemos ter é o mais desejado. tanto ouvidas ou proferidas foram as minha orações que teria não um ou dois mas vários à escolha, como que em passando de um período de jejum prolongado, de repente se me aparecesse um restaurante enorme em frente dos olhos, repleto de iguarias, umas com melhor aspecto, outras menos, mas ainda assim com pratos variados à escolha.
pois que o único prato que queria, o único que me fez salivar à passagem pelos olhos, me fez imaginar o seu sabor e cheiro únicos, um banal prato do dia sem qualquer tipo de requinte, é o que está esgotado. típico, pois.
em sendo assim, penso em escolher talvez o que menos me apetece comer e, vomitando-me por dentro, deixando que me corroa as entranhas, me provoque indigestões brutais, me corrompa, me fure o estômago, me faça buracos no intestino, me mate.
isto porque é nestas coisas que me descubro - completamente ao contrário do que possa parecer - muito mais masoquista do que sádica.

O alcance da (falta de) resolução

23.9.09

O problema é que o nosso caso foi um caso mal resolvido e ficou-me entalado na garganta, como uma espinha ou um caroço. De vez em quando recorda-me que está ali qualquer coisa que não devia lá estar, que me dá náuseas e me dificulta a respiração. Obriga-me a olhar de frente para o espelho, procurar o furúnculo imaginário e espremê-lo bem para que saia de lá o pus infectado que se acumulou desde a última expurgação. E depois limpo aquilo tudo com o mesmo nojo com que limpava a esporra que deixavas no meu sexo.

É por isso que o nosso caso ficou mal resolvido, porque era só sexo, ou por outra, só o sexo é que era bom, tudo o resto foi inventado por mim e esta mania que todas as mulheres têm de romantizar uma relação que se baseia apenas e só em sexo. Estava eu já a construir castelos e futuros imaginários e tu só me querias ali de pernas bem abertas, fingindo que ouvias o que dizia entre os gemidos que te asseguravam que eu estava a ter prazer. E tudo não fazia sentido, nem faz, porque eu estava mesmo a ter prazer mas sempre a pensar que isso não me chegava!

Temporariamente saciaste uma sede animal que tinhas dum cheiro, dum corpo, duma pele, dum sexo e quando te fartaste de tudo isso não perdeste um segundo só a enterrar o cadáver da nossa relação que nunca chegou a ser. Hoje nem te deves recordar sequer do meu nome, tal será a memória que guardas de mim!

A puta aqui sou eu porque foi na minha memória que eu deixei que se alojasse o caroço que cuspiste e ao contrário do que todos dizem, tu saíste a ganhar porque se um dia calhar encontrarmo-nos na rua tu vais seguir em frente sem pestanejar e eu irei ficar ali pregada ao passeio, com a puta da espinha entalada na garganta, sem conseguir andar, falar nem gritar!

O alcance do amanhã-que-hoje-não-quero-pensar-nisso

15.9.09

Um dia a Paula cortou o cabelo. Escadeado e curto: um corte leve, giro. A Paula era gordinha de olhos azuis e o corte ficava-lhe a matar. Elogiei-a:"Estás tão gira, ficou tão bem!" e os olhos dela sorriam, toda ela ligeira e feliz com o corte novo.
Quando o cabelo começou a crescer meti-me com ela "Tens de voltar a fazer o corte, estavas giríssima!". Já não sorriu: "o meu marido diz que não casou com um homem..." e virou costas. Não consegui reagir. Quis dizer "Que cretino, olha o estupor! Grande malcriadão!" mas não me sau nada. Era o marido e se ela própria não se mostrava indignada não me quis meter. "Sê educadinha, deixa-te estar" ouvia avós, pais, professores, anjinhos, sei lá, na minha cabeça.
Meses depois, cabelos pelos ombros depois, a Paula andava cada vez mais triste. Chorava pelos cantos, pediu para ir trabalhar no mesmo sitio que o marido e nunca mais a vi. Mas soube que "foi para estar mais próxima dele que andava com uma colega". Arrependi-me muito de não lhe ter chamado os nomes todos que me passaram pela cabeça antes. Depois caí em mim e soube que pessoas como a Paula nunca mudariam e fariam sempre tudo igual. E foi tristemente melhor assim.

O alcance da injustiça

3.9.09

Fechou os olhos a custo, sentindo as pálpebras a arder enquanto a cabeça latejava, previsivelmente assinalando o início de mais uma enxaqueca. Hoje tinha-lhe dado um ultimato, mais um, mas que tinha decidido ser mesmo o último. Não podia continuar assim, estava em processo de auto-destruição acelerado e se não terminasse rapidamente aquela história não sairia viva da experiência que tinha encetado há dois anos atrás. Na altura achou que devia viver o momento porque aquele homem lhe interessava mais do que todos os outros e não queria nem saber que ele tinha mulher e filhos. E na verdade tiveram momentos muito bons, de entrega total, duma cumplicidade difícil de igualar em qualquer tipo de relação.

Mas houve um dia em que se fartou de esperar. Ele não lhe atendia o telemóvel, e não lhe respondia às inúmeras mensagens que fora deixando ao longo do dia. Começou a ficar preocupada, ele nunca tinha deixado de lhe ligar de volta, talvez não no momento mas acabava sempre por ligar. E depois quando se encontravam os seus expressivos olhos negros davam-lhe sempre a volta ao coração fazendo-lhe lembrar a letra duma velha canção de Francisco José, "olhos negros são queixume de uma tristeza sem fim". E ela queria muito mudar a tristeza que sentia nele, queria tanto conseguir curar essa tristeza que transparecia nos olhos desse homem que amava.

Mas nesse dia, em que esperou mais do que sentiu ser a sua conta, decidiu que não tinha vida para aquilo, para ele. Não podia estar sempre à espera, que lhe desse jeito a ele, à sua mulher, aos seus filhos e ao resto de toda a sua família. Porque nesse dia tinha ficado à espera dele sem saber que a sogra lhe tinha pedido para ir com ela ao IKEA porque precisava dum homem para lhe carregar e montar os móveis que tinha escolhido para remodelar o quarto da filha, mulher daquele homem de olhos negros que não sabia dizer que não a mulher nenhuma.

Considerou muitas vezes se podia viver aquela meia vida com alguém que só lhe podia dedicar um décimo da sua, talvez nem tanto. Mas também a ela custava dizer-lhe que não, os seus olhos negros tinham o condão de a deixarem à beira do desespero. Assim hoje ele tinha que lhe dizer se a queria ou se iria continuar sem ela, como se a história deles tivesse sido apenas um pequeno desvio, como quem lê uma revista de viagens e pensa por momentos em transportar-se para algum recanto recôndito bem longe de tudo e todos. Se ele declarasse que ela tinha sido apenas uma ilusão, uma memória duma vida paralela, dum caminho não escolhido, talvez tudo se evaporasse e ela ficasse finalmente livre.

Quando se encontraram não precisou de ouvir todas as explicações que ele tanto praticara para justificar o injustificável. A sua mulher, os filhos, a imagem de perfeito cavalheiro, os sócios e colegas de trabalho, a empresa familiar construída com o dinheiro da família dela, a felicidade aparente do casal que todos admiravam, a sua integridade física e moral, tudo serviu para lhe dizer que não haveriam oportunidades, nem mesmo para aqueles que sabem esperar. Ela estava no fundo da sua lista e como tal era perfeitamente dispensável, até ela teria que perceber isso. Tinha sido bom, o sexo tinha sido fantástico, mas o futuro não lhes pertencia, aliás o seu "nós" já havia nascido quebrado.

Assistiu impávida enquanto esse homem de olhos negros cor de azedume lhe virava as costas para nunca mais voltar. E assim sem mais alguém a quem tanto tinha dado pedia-lhe para apagar dois anos completos de vida, passando um pano quente húmido de lágrimas por cima de todas as memórias que escolhera guardar daquele homem de olhos negros cor de fealdade, sentindo pela primeira vez a frieza da sua crueldade.

O alcance do desespero II

2.9.09



As botas novas da Madonna vão passar a povoar muitos dos meus futuros sonhos eróticos.

O alcance do desespero

31.8.09

andamos todos desesperados, é o que é.

Ele tinha-me respondido assim quando lhe perguntei quanto tempo mediara entre o primeiro contacto, via net, e o primeiro encontro. Um fim de semana tinha bastado, um dia para trocarem números de telemóvel, outro para smses.
Tinha dito aquilo consciente do que dissera, desesperados. Os que não conseguem esperar.

Não consigo assegurar que antes [há muitos anos] o desespero fosse diferente, ou melhor, mas imagino sempre que antes de existirem telemóveis, emails, auto estradas, o ritmo da vida fosse diferente e as pessoas aprendessem a esperar desde que nasciam. Toda a vida seria uma sucessão de esperas, que a vaca desse leite e a galinha ovos, que chegasse uma carta ou um telegrama, que alguém voltasse da guerra, que o barco atravessasse o oceano.
Assim era que, no meio de outros ritmos e outras vidas, muito haveria a perder, pois a vida continuava algures enquanto alguém esperava - o nosso amor casava-se e tinha filhos com outro, os nossos filhos cresciam sem os vermos, alguém de quem gostávamos muito morria e não descobríamos até muito mais tarde.

Haveria também, acho, muito a ganhar. No cinema, por exemplo, se a personagem da Ingrid Bergman no Casablanca se fosse despedir ao aeroporto neste momento, diria ao Ricky algo como "Meet me in facebook", e nós não teríamos o "We'll always have Paris" para nos lembrar que perfeitos-perfeitos só os amores impossíveis.

O alcance do masoquismo

28.8.09

Já nem se lembrava bem de como tinha ido ali parar. Sabia que aqueles serviços lhe tinham sido recomendados por uma colega de trabalho, num momento de desespero em que tinha deixado escapar uma lágrima acompanhada dum gemido prolongado, incapaz de esconder a profundidade da depressão em que se afundava. O sítio não era demasiado agradável nem confortável mas também não estava à espera que assim fosse. Depois de aguardar durante longos minutos sentada numa cadeira de plástico indicada por uma assistente prestável, viu a figura emergir duma porta que se abria ao fundo do corredor. A dominadora estava ali, marchando determinada na sua direcção.

Não houve cumprimentos de espécie alguma, não era para isso que ali estavam. A dominadora colocou-lhe uma coleira à volta do pescoço e ordenou-lhe que a seguisse. Percebeu que não estava ali para falar nem ser ouvida quando a dominadora a mandou estar calada e lhe colocou uma mordaça na boca. Puxou-a pela coleira e levou-a até uma grande cruz onde a prendeu pelos pulsos e pelos tornozelos. Como que por milagre a cruz elevou-se um pouco e quando levantou os olhos do chão olhou para ela, a sua dominadora à sua frente de pé, as longas pernas abertas num perfeito ângulo de 60º. Foi isso que mais estranhou, essa aparente perfeição geométrica numa figura que tinha mais de repelente do que de atraente. A dominadora estava totalmente coberta de cabedal preto da cabeça às virilhas, sendo o preto dominante apenas interrompido pela brancura das pernas esculpidas abertas num V invertido com botas pretas de salto altíssimo penduradas nas pontas.

O silêncio foi quebrado pelo som da sua roupa a rasgar-se. A dominadora arrancou-lhe tudo, rosnando, furibunda, sempre que encontrava alguma resistência à penosa tarefa. Ficou assim desnuda, exposta, pendurada numa cruz, com uma mordaça na boca sentindo que talvez aquele fosse o princípio do fim de tanto sofrimento, tanta dor, agora seria só a recta final, o culminar de tantos anos a sofrer sem sentido nem motivo. Lembrou-se do negrume das freiras que a tinham educado em criança, lembrou-se da multitude de vezes que lhe diziam que todos nascemos para sofrer, e que ela iria sofrer até morrer porque tinha nascido do pecado, Pecado esse que se tinha tornado tão gigantesco dentro de si que por vezes quase a sufocava. Regurgitava dor em estado líquido e tomava comprimidos para tentar extinguir o vulcão latente de onde ela vinha, acordando sempre sentindo-se pior do que nunca. Talvez provocando a erupção pudesse aliviá-la, talvez... pelo menos era por isso que tinha tentado este último recurso.

A dominadora acendeu uma vela e baixou a cruz, fazendo que com ficasse deitada na horizontal, directamente abaixo duma luz intensa que lhe feria a vista. Fechou os olhos e manteve-se quieta, na expectativa de encetar a dolorosa via sacra. Sentiu um primeiro pingo, depois mais, até ser quase uma maré de pingos de cera a ferver tocando-lhe na pele fria, abrindo pequenos socalcos, empestando o ar com um cheiro de carne queimada. Ah a dor subia, sentia-a despertar dentro de si, pujante, brilhante, maior do que nunca.

A dominadora abriu-lhe um dos olhos e começou a espetar-lhe pequenas agulhas, primeiro superficialmente, depois enterrando-as até encontrar resistência por parte do osso, gerando uma nova dor, mais fina, que se juntava ao grosso caudal que emanava das inúmeras feridas abertas pela cera ardente. Já não via nada, só um buraco negro entrecortado por pequenos raios de luz penetrante sempre que uma das agulhas se enterrava na sensível retina, cravando-se no nervo óptico, destruindo-lhe irremediavelmente a visão.

Era aquela a última experiência, o supra sumo da dor que alguma vez tinha sentido. Aliás já não era ela, tinha deixado de ser, agora era só dor, horripilante, gritando muda no silêncio forçado pela mordaça que lhe tinha sido colocada. Só nessa altura sentiu pânico, sentiu-o crescer face à dor, tentando devolvê-la à sua condição humana, mas já era tarde demais. Sucumbiu face à dor, deixou-se levar por ela, atingiu um patamar nunca antes alcançado mas o seu coração não aguentou. Quando os paramédicos chegaram para a levar já estava morta sem qualquer hipótese de reanimação. Tinha provado a si mesma que só a dor é real, tudo o resto é pura ilusão.

O alcance da exigência

17.8.09

Meu amor, não quero mais isto. Não quero mais esta eterna troca de insultos. Não quero mais não gostar do que vejo, do que oiço, do que sinto. Não quero continuar a desculpar-te, pois só agora tenho eu a culpa. Não quero mais este desatino de insegurança, de exigências constantes, de farpas afiadas direitinhas à minha consciência. Há palavras que se dizem e se assumem das quais não se pode voltar atrás. E tem havido tantas ultimamente.

O alcance do mau

10.8.09

Mau não é cair, tropeçar, voltar ao chão. Sei que me levanto e nem tenho nódoas negras desta vez. Apenas uma cabeça de abóbora que só olha para o cimo e não vê a falta de degraus. Pé em falso, portanto - ía jurar que não faltava degrau nenhum, mas de que serve isso agora?
Mau é que estas recolhas de escadote, estes recuos nas subidas me empurrem para ti. Refugio-me no "tu é que eras". E eras. Ninguém é insubstituível, bem sei. Ou tenho de o pensar que outro remédio não tenho. Mas eras tu. As saudades que eu tenho de uns olhos a brilhar, de umas mãos grandes, do teu tamanho todo e tudo o resto muito básico e físico que me fazia corar de excitação ao ver-te chegar.
Mau mesmo, é que o mundo se torne apenas um jogo e só existamos nós dois: ou sozinha ou a viver para ti, por ti, em ti, sem ti. E tudo o resto, paisagem, peões, figurantes, que nisto do amor à séria, aquele que eu queria mesmo, só existes tu.
Pior é saber que não estás, não vais estar aqui. Sonhar contigo, a dormir ou acordada e tu nunca aqui. Nem números, nem contactos nenhuns. E eu a cada tropeção - que sem pensar, vou refazendo cada pedacinho despedaçado, interesso-me por um ou outro a espaços - volto a ti. Com mais força, mais convicção: eras tu e mais ninguém. Aninho-me em ti como antes e fico assim. Eu sinto-te. Como se fosse hoje. Mas tu nunca estás.

Tem 33 anos [parte III]

5.8.09

Chegou o Verão e ela nunca falava das suas férias.
Ao almoço, mais uma vez, perguntei-lhe "Então, para onde vais de férias?" Não levantou os olhos do prato "Não vou para lado nenhum" e senti que aquela garfada de comida foi engolida a custo, como se tivesse medo que lhe fizesse mais alguma pergunta "Mas porquê?" Os olhos continuavam em cima do prato, os gestos tornaram-se mais rápidos e bebeu o sumo de um trago só "Não posso" e levantou-se com a desculpa que ia fazer um telefonema. Não ia. Saiu e puxou de um cigarro e eu, que nunca a tinha visto fumar, fiquei estupefacta e constatei, nesse momento, que talvez nunca a viesse a conhecer realmente - uns dias tão amável e faladora, outros dias tão reservada e soturna. Quase bipolar, diria.
Quando entrou sugeriu que fossemos tomar café noutro local e num passo rápido avançou para a caixa e pagou o almoço de ambas. Agradeci.
Em todo este tempo nunca falou directamente de si, disse-me apenas que tinha 33 anos, feitos no pior mês do ano - Fevereiro. "Não gosto do Inverno e Fevereiro é um mês que não se define. Custa a passar, sabes?" Não sabia, nunca tal tinha sentido. Aliás, nunca tinha ligado muito aos meses do ano mas fiquei a pensar no meu - Setembro - e acabei por constatar para mim própria que esse sim, talvez fosse o pior mês de todos - o dos recomeços, o que por si só, dá uma trabalheira.
Bebe sempre um café duplo, não lhe põe açúcar mas mexe o café como se o tivesse acabado de deitar. "Agora fumas?"
"Sempre fumei, a única diferença é que agora compro cigarros, antes fumava o fumo dos outros." Não valia a pena, aquele dia estaria com certeza a correr-lhe mal e desisti de lhe fazer este tipo de perguntas. "Vamos?" Fomos. O resto do dia foi passado em absoluto silêncio, apenas com as interrupções normais dos restantes colegas e chefes. Antes de sair, despediu-se com um até amanhã e naquele compasso de espera, entre eu levantar a cabeça da papelada e ela abrir a porta, senti-lhe as reticências na voz, como se quisesse dizer mais alguma coisa. Mas sorriu apenas e saiu.

O alcance de ter escolha

... e de não a querer fazer. Não quero. Porquê, se posso ter tudo? O céu e o inferno, o bom e o óptimo, a calmaria e o vendaval? Escolho a terceira alternativa, sempre: os dois.

O alcance do desespero

2.8.09

'bora começar os posts todos assim?

Quando era pequena tinha medo de cães, como todas as crianças que não convivem com animais. Diziam-me então os adultos - quando o meu instinto era desatar a correr se via um cão a menos de 100m - não te mexas, o cão só te faz mal se farejar o teu medo.

A mesma medida aplica-se perfeitamente às pessoas do sexo oposto que nos interessam - não te mexas, a pessoa só te maltrata/abandona/ignora/abusa de ti se farejar o teu desespero.

Pena é que, na maior parte das vezes, seja tão difícil controlar os instintos mais primários.

O alcance dos gritos

30.7.09

Diogo parou para tentar rebobinar a sequência de eventos que o tinham levado até aquele momento. Tinha acordado com aquela leve sensação de angústia, semelhante a quando constatava que só lhe restava uma cápsula de Nespresso na prateleira da cozinha. Com o passar do tempo a angústia tinha-se espalhado até se parecer mais com o que sentia quando sabia que ia falhar um prazo de entrega importante.

A sua vida tinha sido um mar de calmaria desde que se lembrava, até ter conhecido Luísa. Por ela tinha-se apaixonado perdidamente, nada a ver com tudo o que tinha experimentado até aí com as outras mulheres que se tinham cruzado no seu caminho. Até então tinha gozado de uma leveza de espírito rara nos homens com quem confraternizava. Andavam sempre todos cheios de problemas... com a mulher, com o carro, com o chefe, com os filhos, com as (ou os) amantes. Ele não, sempre tinha mantido aquela vontade de brindar à vida, sempre vivida de forma intensa e fluida.

Ao início tinha sido tudo tão bom, eram totalmente compatíveis, achava que tinha encontrado a sua alma gémea. Viajaram imenso, fizeram amor em todos os cantos de todos os quartos de hotel por onde passaram. Diogo divertiu-me como nunca, achava que tinha finalmente atingido aquele patamar porque todos os homens e mulheres anseiam, de paz, de segurança, de conforto, de felicidade!

Mas depois um dia os gritos de prazer dela tinham sido substituídos por ordens! Ela queria ter um filho dele, queria um miúdo que herdasse aqueles seus olhões azuis de morrer dentro deles e gemer por mais. E ligava-lhe a toda a hora, queria-o ali a tentar impregná-la, tratando-o como mero contentor dos genes dos futuros filhos dela! Tinha arrastado Diogo de médico em médico, tentando de tudo, obcecada com aquela vontade férrea de parir!

Ontem tinha sabido, ela tinha-lhe dito, assim como se o informasse que tinha ganho o euromilhões. Estava grávida dele, não de um, mas de dois, dois filhos dele, dois rapazes, dois fiéis depositários dos seus genes de ouro! Diogo dirigiu-se para a varanda na vã tentativa de apanhar um pouco de ar fresco, dividido entre a filha da putice da culpa que o assaltava por ter cumprido as ordens de Luísa e a vontade de desaparecer para onde os seus gritos nunca mais o alcançassem.

É, devia ter-se posto a milhas assim que os gritos de "fode-me!" foram substituídos pelos de "faz-me um filho!" Agora estava tramado e bem tramado, num beco sem saída, agarrado, prisioneiro sem apelo nem agravo nem perdão possível, condenado para sempre a tudo aquilo que sempre tinha renegado, escravo dela, deles, e de todas as responsabilidades concebidas artificialmente e in vitro! Puta que a pariu!

Chama-se Raquel [parte II]

28.7.09

Ontem chegou triste. Pousou a mala vermelha e saiu rapidamente a querer esconder as lágrimas que teimavam em saltar dos olhos. Penso que terá ido ao WC e que tenha respirado fundo, escondida por trás das portas minúsculas, tentando ter a privacidade que num escritório enorme nunca se tem.
Quando voltou olhou para mim de relance e eu, vergonhosamente, fingi que não estava a observá-la e continuei atrás do meu monitor, espreitando feita uma velha caquética que gosta de coscuvilhar a vida dos outros.
À hora de almoço perguntei-lhe se queria sair um bocadinho e convidei-a a almoçar comigo num restaurante de que gosto muito - Passion Fruit - ali na 5 de Outubro. Inesperadamente, acedeu.
"Podes só esperar um pouco enquanto faço uma chamada?"
Esperei. E em cinco minutos que ali estive, sentada na minha secretária a escrever post-its para que não me esquecesse das compras que ainda tinha de fazer quando saísse, ouvia-a murmurar que estava farta. Depois desligou.
"Vamos?"
"Claro."
Saímos, ela com a sua mala vermelha eu com a minha castanha e entre o 7º andar e o rés -do -chão, ela quebrou o silêncio que se instala quase sempre nos elevadores.
"Porque me convidaste?"
Surpreendeu-me a pergunta. Ali estava eu, sem ter como fugir, a pouco mais de um metro de distância daquela mulher e com uma pergunta apontada a mim, como se fosse uma arma.
"Não sei bem. Apeteceu-me."
Não disse a verdade. Mas ficámos assim e claro, falámos do tempo e do calor que tardava em chegar. O tempo é sempre uma boa desculpa para quem não sabe o que dizer... e eu não sabia.
No restaurante aquela pessoa deixou de ser quem parecia ser: sorriu, meteu conversa com o empregado e eu diria mesmo que flirtou com ele, deixando-me com uma pontinha de inveja por não ter aquele nível de descaramento: levezinho, subtil como uma pena mas perceptível a quem vê. Abriu-se num sorriso e perguntou da minha vida e eu, que pensava que iria ali para saber mais dela, acabei por falar mais de mim sem qualquer receio ou constrangimento. Estranho, diria.
Antes de entrarmos no escritório disse-se apenas "obrigada". E voltou a olhar para o telefone, mais uma vez, à espera que tocasse.

Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come

Décima quarta. E espero não ser a última, que 'the more the merrier'. A ver vamos o que sai daqui. Não se surpreendam muito, sim? Porque aqui posso escrever o que me der na real gana. E olhem que me tem dado tanto, mas tanto na real gana nas últimas semanas... como me apaixonei perdidamente, o que não seria grande novidade, mas por outra mulher, o que também não é assim uma novidade tão grande, convenhamos. Bom, para mim é.

Obrigada pelo convite, meninas :) Vou adorar estar aqui, já para não dizer que é uma honra.

Relações-qualquer-coisa

27.7.09

ela descrevia-me a noite anterior, de sábado, pensara ir a um restaurante mas ao chegar à porta tinha visto o carro do querido dela ["estamos terminados"] e tinha mudado de ideias. "O meu querido".

Pensei muito nisso porque gostei da expressão mas não deixei de a achar estranha, o meu querido, não o meu namorado, marido, ex qualquer coisa.
Também eu tenho vários ex-qualquer-coisa. Qualquer coisa.
Das milhares de expressões que inventamos para não nos comprometermos com outra pessoa:
Uma tipa com quem ando a sair, é só o X dormimos juntos umas vezes, é a miúda que ele anda a comer, anda metida com o Y, andam enrolados, tiveram um caso, deram umas voltas.
Ganhamos aversão a palavras como namorado, achamos fabuloso quando alguém se casa "que coragem", como se fosse saltar de um avião sem para-quedas, que coragem, outras vezes só encolhemos os ombros porque "está-se mesmo a ver no que é que aquilo vai dar", como se a alternativa, saltitar de relações-qualquer-coisa fosse tão melhor.

Ao mesmo tempo que desvalorizamos tudo aos outros, enquanto estamos mesmo a ver no que é que aquilo vai dar, fazemos tudo para não ser aquelas pessoas que têm relações sérias, para não ter destroços se a coisa corre mal, para não ter restos de separações dramáticas com lágrimas dentro de nós que poderiam deixar marcas, para não cair numa rotina de casal que se senta a jantar sem palavras para dizer um ao outro, que se trai, que se maltrata um ao outro porque está farto e aborrecido, que se odeia silenciosamente, que se irrita com todos os pequenos defeitos do outro, que fantasia com terceiros.
Porque de facto, quando observadas de fora e de perto, todas as relações são más.

A pior parte de ser solteira é ter pavor de deixar de ser. Ou então, se calhar, é a melhor.

Fucked up dear John letter

23.7.09

o que eu já me ri... mas conto.
então,o tal, seguro e amoroso e tal... ai lá vem o riso... hahahaha...aquele de quem eu disse maravilhas... hahaha... eu, eu a falar como se ele fosse muito maduro... hahahah... eu a ler-lhe coisas certas e acertadas, naturais que só podiam ser verdade... ai esperem que não aguento...hahaha... eu a pensar sim senhor, metes tantos num chinelo... ai doi-me a barriga de rir... e... e...e... ele... sempre à altura, sempre a corresponder e a investir... hahaha.. pensar no que ele investiu....hahahah... ele... hoje do nada que não, é melhor assim, que não nos vamos aborrecer... hahahaha... foi muito bom!
Eu sem perceber muito bem a principio como quando no meio de um abraço sai uma alarvidade e nos vamos soltando lentamente... hahahaha e de repente nos cai o céu em cima e o peso do mundo nos ombros... hahahaha... e depois a ouvir aquilo tudo muito frase feita, muito coladinho com cuspo e "é assim que devo dizer, pois" hahahaha... já estou no chão... hahahaha... ...isto é triste, vou só ali agrafar a lingua aos dedos.

Ass: Abóbora debulhada em pevides

Eu sei que isto não é o da Joana, muito menos da Abóbora

Mas cheguei há pouco a mais uma alusão que só cabe aqui.
Escadotes lembram-me - hoje mais uma vez - snakes and ladders. Como o jogo, pois.
Enquanto ladder sobem-nos, levam-nos aos píncaros, ego ao alto, saltinhos de nenúfar em nenúfar. Depois, aparece a snake no caminho e é desandar ladeira abaixo sem passar na casa da partida.
Andava eu em treinos para bitchier bitch quando fui distraída por um destes. Felizmente estou quase de volta aos treinos, falta só o grito e choradela finais e um brevissimo luto de risota e muito sarcasmo.
Para acompanhar, segue-se dentro de horas post catarsico-ressabiado (sort of que we are ladies) em formato dear john letter.

Quero casar por procuração, pode ser?

19.7.09

Não é bonito eu sei, mas é assim.

Não preciso de um homem para levar os sacos do lixo [um velhinho que andou atrás de mim dizia "todas as mulheres precisam de um homem nem que seja para, como dizem, levar o lixo para o caixote"].

Não preciso de um rapaz que me escreva amo-te com o calor do cigarro no papel de fax, 100 vezes seguidas.

Não preciso de um namorado que me gabe as ancas [pouco haverá para gabar também] e me faça sentir muito bonita, inteligente, maravilhosa.

Não preciso de um amigo especial com quem partilhar tardes de chuva de inverno, da única maneira mesmo boa de passar as tarde de chuva de inverno.

Não preciso de um caso que me envie mensagens a meio da noite [ou da tarde], mesmo que sejam amorosas e me façam rir.

Meus queridos, eu já passei dos 30, aos 20 é que essas coisas tinham imensa graça.
Agora era mesmo só trocar umas palavras a meio de algum jantar enquanto se combinam horários para ficar/buscar/levar/deixar os miúdos, as compras de supermercado e um fim de semana em qualquer lado.

Dear John letter nunca deixada

16.7.09

Eu podia parar com isto. Podia. Mas nunca to disse. E isso provoca ecos que duram o tempo que tiver de ser. Ecos que descem por mim abaixo e nunca me largam. Ouço-me desancar-te, encostar-te à parede, fazer-te num oito e no fim nunca mais te ver. Vejo-me explodir-te na cara todas as verdades a que fugiste e eu tinha tão alinhadinhas para te dizer.
Era tudo piropo, tesão e "minha Nossa Senhora" até um dia. O dia do costume.
Um dia deixaste de me tocar, de me elogiar de me deixar o ego nos píncaros. Assim, sem mais nada. Um dia ías ser pai, eu era a outra, e tinhas de te portar bem. Portar bem... "achas que tenho condições de te dar o que queres?" - ai pensar no ridículo clichet que te revelaste chega a ser cruel - eu não via nada, claro. Para mim, estavas "só" a ser cobarde. E era tão mais que isso. O alcance da coisa era tão maior que os ecos ali em cima só ficaram no presente por pura estética ou preguiça. Já não os ouço, já não quero saber. Também ainda não quero tropeçar em ti. Mas os ecos, já não ouço.

Quero aqui deixar o meu agradecimento público

aos meus "amigos" homens e casados que, tendo tentado descobrir na minha intimidade pormenores sórdidos ou (no mínimo) de algum interesse erótico e não tendo conseguido vislumbrar mais do que um dia-a-dia banal, sem aventuras de realce, sem toques de sordidez de alcova, fizeram o favor de me tentar formatar a personalidade para uma mais aceitável no feminino - nomeadamente dizendo que eu não arranjava homem por ser [sic] bruta como as casas.

Meus caros, eu em querendo ser insultada ou maltratada iria mais vezes ver o meu pai ou, quem sabe, já teria casado com um tipo parecido convosco.

A minha gratidão para com vocês é tanta que temo não poder pagar-vos de forma alguma.

Ficará para uma próxima vida em que eu, reencarnada numa magnífica ave de rapina, vos pouparei a vida e a saúde - vós reencarnados em pequenos animais rastejantes que servem de alimento às aves de rapina.

What goes around...

15.7.09

Havia uma casa. O sofá que compraram, a cama, o wc verde alface e o rosa shock; as noites em que a tv nem era ligada e os fins de semana de limpezas a dois e solinho na piscina. Viviam juntos…faziam planos para o futuro e o jantar com um sorriso. Não, ele não estava sozinho quando te encontrou a dançar e não era uma louca com quem dormiu uma vez que lhe mandava mensagens que falavam de corpos, beijos e esperas longas.

Querida, e o nome dela que tantas vezes me pedias para procurar, não era esse que o telemóvel mostrava; se pudesse, teria dito logo que não…ela não é uma horrorosa, encalhada que não tinha mais ninguém por quem esperar. Conseguisse eu odiar-te e não tinha evitado tantas das vossas discussões, não teria oferecido o meu ombro para lágrimas e não deixava que me chamasses amiga. Querida, soubesses tu quem sou e não me tinhas pedido para lhe fazer companhia, para o vigiar…

Prevenir as quedas

14.7.09

"Ao contrário do que pode pensar, as quedas e os acidentes raramente acontecem. De facto, podem ser tomadas muitas medidas simples que reduzem a possibilidade de estes ocorrerem. Tenha presente que para fazer uma mudança nos seus hábitos vai ser necessário empenho.
Para reduzir as suas hipóteses de cair é muito importante que:
Reconheça os motivos, relacionados consigo ou com o seu ambiente, que o podem levar a cair; corrija hábitos e atitudes que possam favorecer quedas; torne a sua casa mais segura e à prova de queda, já que a maioria das quedas que provocam uma fractura acontecem em casa."
Para as interessadas mais aqui:
Associação Nacional contra a Osteoporose

Permita-me a cara colega dizer de minha justiça

11.7.09

Eu cá acho que a culpa tem de ser alguém, e que foi para isso que as relações foram inventadas. Para que os seus intervenientes sejam os amos da culpa, mestres das obrigações e senhores dos já devias saber e se não sabes é porque já não gostas de mim.
Quem mais tem a obrigação de saber tudo, desde a hora a que se tira o peixe do forno até à quantidade de vestidos que se compra por mês do que quem nos mete pele, carne e fluidos dentro? Quem mais passa mais horas dentro do nosso corpo, à parte nós mesmas (que já fomos suficientemente castigadas com borbulhas, queimaduras, saldo negativo)?
Sou apologista da culpa total: as pessoas com quem temos relacionamentos têm a culpa de todos os males do mundo, desde a crucificação de Cristo, passando pela segunda guerra mundial, não esquecendo a extinção do tigre branco e terminando na dita borbulha.
A redenção total passa por uma boa foda ou uns carinhos na cabeça.

Nem tudo o que parece é

De manhã ela traz uma máscara de boa-disposição: chega ao escritório e cumprimenta as pessoas com um sorriso saudável. Consulta a agenda, verifica a papelada e começa a trabalhar. Eu, do outro lado da sala, limito-me a fazer conversa de circunstância e a sorrir na mesma medida - a simpatia nunca fez mal a ninguém e a rapariga nunca foi mal-educada comigo; apenas chegou há pouco tempo e ainda não houve tempo para afinar o nosso relacionamento profissional.
Por vezes levanto os olhos do meu trabalho e noto-lhe um olhar triste, tão triste e perdido que fico com vontade de me sentar à sua frente, deixar-me de conversas de circunstância e perguntar-lhe se está tudo bem, ou perguntar-lhe mesmo em tom de confirmação "Não está tudo bem, não é verdade?"
Veste-se bem, não usa demasiados acessórios e o cabelo é luminoso, tão luminoso que já foi tema de conversa entre nós - a única vez que falámos um pouco mais. Confessou-me não usar produtos caríssimos comprados no cabeleireiro mas antes aqueles produtos brasileiros que quase ninguém se atreve a comprar, pelo menos as portuguesas, diz ela. O que é certo é que até eu já os procurei e não os encontro.
Não recebe telefonemas ou mensagens. Olha de vez em quando para o telefone e acho que se limita a confirmar aquilo que estava à espera - ninguém a procurou. Fica sempre com um semblante triste que automaticamente disfarça se nota que está a ser observada. Escreve muito num caderninho cor-de-rosa, com um lápis de carvão e desconfio que é ali que guarda todos os pensamentos. É bonita mas parece-me infeliz, ou então é só impressão minha que tenho a mania de tentar ver para além daquilo que me é dado a ver.
Qualquer dia pergunto-lhe pelos tais produtos brasileiros e quem sabe... talvez seja esse o mote para mais algumas conversas ou desbafos e quiçá, uma futura amizade.

a culpa não morre - de todo - solteira

Adoro todas as minhas amigas mas começo a fartar-me da conversa das divorciadas que culpam os ex-maridos de todas as desgraças e dores, faltas e falhas, borbulhas e queimaduras no fogão. Oh porque o cabrão telefonou quando estava a fazer a depilação, enervei-me e espalhei a cera no sítio errado, porque aquele filho da puta veio buscar os putos ainda nem tinham jantado e, quando ouvi a campainha, agarrei no pirex do peixe assado sem pegas, porque ando chateada sem homem e é verão e só vejo casais nas esplanadas e gastei o ordenado todo em vestidos e agora aquele sacana não adianta o dinheiro dos filhos do mês que vem, não aguento uma relação porque aqueles anos todos com aquele estupor me deixaram muito marcada e magoada, porque a parede da sala está toda esburacada com os pregos dos quadros horríveis dele, porque há uma crise mundial e não fui aumentada e a culpa - não sei como, mas tenho a certeza! - só pode ser dele, quando investiu na bolsa o dinheiro que a tia lhe deixou e acho que foi isso que provocou a queda global das bolsas, eu bem lhe tinha dito que era preciso era mudar de carro, aquele inútil nem isso!

É certo que seriam uns trastes, pois está claro, seja porque nos deixaram e trocaram por uma flausina pirosa com as mamas todas de fora, seja porque lhes metemos as malas à porta, fartas de tanta migalha, pelo no lavatório e a almofada do sofá marcada com o rabo deles. Mas isso não impede de sermos umas princesas que merecemos melhor: e merecer melhor começa por apagar esse ódio e esquecermo-nos de todos esses detalhes menos felizes. E - vá, um esforço - reconhecer que também não fomos sempre perfeitas e, às vezes, a culpa não é de ninguém.

Será de mim?

O raio do homem resolve aparecer sempre na altura certa de berbequim em riste.. ora, quem resiste...?! Nem é o meu género, mas aquele gesto tira-me do sério. A falta que um homem destes faz numa casa.

Do alcance

10.7.09

Não tenho a certeza se o título do blog se torna perceptível para quem nos visita, presumo que não e vou esclarecer (sob pena de nos tornarmos um blog de prosa encriptada e de consumo exclusivamente interno).
É preciso que se diga que este blog procede de um outro, também colectivo. Algumas de nós já escrevíamos no primeiro e só transitámos. Outras não. Algumas de nós conhecem-se. Outras não. Nenhuma de nós sabe na íntegra quem é quem sob os pseudónimos com que assinamos. Algumas de entre nós são amigas, outras conhecem-se e outras nem isso. Algumas de nós confessaram a outras quem eram. Outras permanecem na bruma.
A ideia de formação do blog surgiu numa caixa de mensagens do facebook em que, tentando combinar um jantar de amigas, começámos por falar no local para o jantar e acabámos a falar em chaves de fendas e escadotes. Do alcance deles. Com muitos trapos pelo meio, evidentemente.
Dessa conversa de 119 mensagens trocadas nasceu o "alcance dos escadotes", não o blog mas as teorias sobre se o tamanho importa e em que dimensão (comprimento, largura) em que prevaleceu a magnífica "é como os escadotes, chegam a mais lados".
E portanto, foi assim.
Lembram-se?

Uma imensidão de degraus

São os teus braços. São eles que me prendem, que me deixam tonta. Sempre deixaram. E naquela noite em que todos rodopiavam e ele chegou para nos lembrar o que já fomos, matar as saudades de ti era só mais uma pequena vertigem. O Jogo ficou decidido no primeiro minuto da noite; o meu corpo só dançava para os teus olhos que ficaram parados em mim. Foi assim. Passou muito tempo…deixamos passar muito tempo.

Não importa como chegamos…já cá em baixo, presa no teu abraço e no desequilíbrio de ser tua outra vez, os beijos disseram todas as coisas que não podemos. Olhámos para cima, olhaste para mim e num sorriso lembras-me “são seis andares, uma imensidão de degraus…”

Foi uma subida de sorrisos, memórias e coisas novas…tudo junto, tudo. E sempre devidamente compassado, como se a musica nos tivesse ficado no corpo. Sem pressas, a ver os carros e as pessoas a ficarem pequenos, tão pequenos quando nos afastamos…e sorriamos. Um andar de cada vez…muito devagar, sem nos cansarmos. E quando chegamos ao quarto do sexto, ainda houve tempo de ver o sol a nascer na nossa janela, mesmo antes de me aninhar em ti para dormir.

Quero chupar o teu joelho!

9.7.09

Hoje quando te agarrar não te largo mais e vou directa a esse pequeno triângulo carnal que dança sensualmente à frente dos meus olhos. Não penses que te escapas, rasgo-te a pele das pernas com as unhas e com os dentes, prometo não me engasgar com os teus pelos. Depois chupo-te o sangue todo até arrotar vermelho. E provo-te que é falácia o que dizem sobre a carne de ser humano, que não presta ou que sabe mal, é precisamente o contrário! Se soubessem o manjar com que dormem ao lado, viravam todos canibais!

Eu sei, porque já te cheirei a carne viva e quase te posso descrever o sabor que daqui a pouco irá agraciar a minha boca esfomeada de ti. Eu sei que a tua carne é tão macia que nem precisarei mastigá-la, irei senti-la desfazendo-se de encontro ao céu da boca enquanto ouço ecos de anjos a cantarem um hino celestial à divindade que é a tua substância. Irei comer tudo à volta do teu joelho, irei chupá-lo até não restar pinga de sangue nem pedaço de carne, até ficar limpo de matéria, branco, seco, fantasma daquilo que um dia me fez enlouquecer e querer chupar o teu joelho até rebentar de prazer!

Depois do adeus

8.7.09

"Dá-me um beijo" pediu-lhe em jeito de súplica. "Já não gosto dos teus beijos" respondeu-lhe ela evitando olhar para aqueles olhos de cachorro abandonado.

Ultimamente agoniava-se com o cheiro dele, aquele misto de suor e cerveja com tabaco que se tinha tornado insuportável para o seu sensível olfacto. A náusea superava a pena, e era apenas isso que a tinha mantido ali tantos e tantos anos, ao lado de um homem que não sabia ser humano. Saiu para o quarto, determinada a fazer a mala pela última vez, tentando afastar da ideia as questões que ainda a assolavam... quem iria tomar conta dele? Da sua roupa, da comida, das contas corriqueiras que ela tinha tratado toda a sua vida? Quem iria manter este homem do lado aceitável da barreira social?

Suspirou profundamente e concentrou-se no que tinha para fazer. Sabia que iria encontrá-lo, revê-lo nas esquinas da cidade, deitado nos bancos de jardim, assumindo o rosto de todos os sem-abrigo que se atravessassem no seu caminho. Lia-lhe o destino ainda antes do seu inevitável desenlace. Mas tinham sido muitos anos, demasiados, e sentia-se demasiado fraca para continuar ali. Precisava de encontrar um espaço, em silêncio, um convento seria bom, um sítio onde não precisasse de pensar em nada nem tomar conta de si nem de ninguém. Encomendaria a sua alma a Deus, e a dele também. Se passasse os dias que lhe restavam a rezar seria apenas para que a morte dele fosse breve e sem sofrimento. E já agora que não o deixassem morrer ao relento.

Escadote novinho

7.7.09

Escadotes que me fazem pensar. Que nem merece a pena, não se interpretam escadotes. São assim e não se explicam. E eu sei isso, como todas sabemos. Mas não aprendo, nem quero.
Caio, fico no chão. Estatelei-me. Nunca mais volto a subir juro a mim mesma, de cabeça entre os bracos, lágrimas que começam de dor, correm de raiva e queimam quando já não quero mais chorar e continuam. Secam, a dor eventualmente passará bem como as marcas. Algumas
Mais cedo ou mais tarde volto a por-me a mesma idiota questão: subo, não subo? Rodeio-o, cirando em volta dele. Pode ser o mesmo, embora tenha a regra de não subir o mesmo escadote de onde caí, há uns anos. Encontro novos. Aprendi mais qualquer coisa, acho que bati no fundo da ultima vez e nada podera ser tao mau.
Vejo-o novinho a estrear. Vejo-o ali quieto, nem sequer me tenta enganar. Provoca-me vagamente e eu acho que tudo correrá bem desta vez. Subo um degrau, outro. Gosto, quero continuar. De repente, um estremeção. E eu não sei se é aviso ou prova. E claro, em degraus baixos que estou, o tombo será pequeno, continuo. E ele está ali, seguro, quieto. Não me atira ao chao, não me ajuda a subir. Não tem pressa. Acho que é só isso. Acho. Mas gosto dele, ainda estou na fase de o querer subir no matter what.

A décima terceira...

... ao que parece sou eu. Nada mal para começar.

Foram noites e noites que numa só noite nos aconteceram*

Era o dia da noite de todas as noites que nos precederam

Era a noite mais clara daqueles que à noite amando se deram

E entre os braços da noite de tanto se amarem, vivendo morreram

Eu não sei, meu amor, se o que digo é ternura, se é riso, se é pranto

É por ti que adormeço e acordo e acordado recordo no canto

Essa tarde em que tarde surgiste dum triste e profundo recanto

Essa noite em que cedo nasceste despida de mágoa e de espanto


É no entanto preciso que se diga que no processo [lento ou rápido] em que tudo se decompõe, se desintegra, se desfaz há partes de nós que vão desaparecendo. Que nem por isso ficamos mais fortes, mais imunes, mais vacas, melhores pessoas, mais mulheres.
If anything ficamos mais frágeis, com menos fé, mais fracas, menos dóceis, mais duras, mais tristes, com mais mágoas, menos inocentes.
If anything ficamos piores pessoas, piores mulheres.
Ou pelo menos comigo é assim.

Meu amor, nunca é tarde nem cedo para quem se quer tanto.

*Ary dos Santos e Fernando Tordo, Estrela da Tarde

Coisas que me atormentam

6.7.09

Mas não podiam ter achado um tipo mais gay para os anúncios dos saldos no Corte Inglès? É que aquele loiro descompensado não é gay o suficiente para me fazer gastar dinheiro...

Um dia eu achava

5.7.09



Fui criada como todas as meninas, achando que um dia ia encontrar um príncipe, cavalo branco, salvação e todas essas coisas. A pessoa cresce e chega lá, morre de aborrecida, deita tudo ao ar, mas há sempre qualquer coisa que fica, uma réstia de crença absurda e infantil na salvação e no amor eterno que não se dissolve na espuma de todos os dias, que dura no meio dos gritos, dos bolsados, noites mal dormidas, flirts com terceiros e trânsito parado.
Acredita porque quer, porque não suporta não acreditar, mal sabendo que tudo já se tornou impossível, que ao longo dos anos e das desilusões o que ficou foi a parte prática não romântica que lhe permitiu subsistir todos os outros dias no vazio.
Aos 10 anos, é difícil pensar que um dia vamos olhar para o amor-da-nossa-vida-príncipe-cavalo-branco e pensar "não sou eu, és tu que já não me dás tusa".

Décima segunda

3.7.09

Eu, Joana Ofélia, estou aqui para subir os escadotes.... sem tombos, de preferência.

To boldly go where no man has gone before

2.7.09

Passou a mão pelo cabelo e pensou que tinha mesmo que ir apanhar ar. Talvez não tivesse sido grande ideia esta de fazer um cruzeiro em família, não dele claro estas ideias nunca eram dele, limitava-se a comparecer e a pagar a conta no final. Balbuciou uma desculpa e saiu para o convés convencido que o ar fresco da noite o ajudaria a limpar a névoa que se tinha instalado sobre a sua cabeça assim que tinham embarcado. Recordava agora esse momento, ela delirante, as crianças transbordando duma irritante felicidade.

Pensava em conversas que já tinha tido com alguns colegas do trabalho, que era de homem fazer sacrifícios pela família, alguns até passavam a gostar disso, inclusive das romarias aos centros comerciais arrastados pelas mulheres à procura do último disco do Tony Carreira. Era de homem chegar-se à frente e proporcionar esse prazer à mulher, comprando o disco do tal fulaninho com que elas suspiravam à noite quando se viravam de costas alegando dores de costas ou de cabeça ou de qualquer outra parte do corpo em que o pobre do marido se lembrasse de pensar em tocar-lhes.

Era de homem tudo aquilo, a família em primeiro lugar e ele em último. Mas agora nesse momento de solidão, por baixo de um céu pejado de estrelas e envolvido pelo reconfortante silêncio do oceano profundo, nada disso parecia fazer sentido. Toda aquela vida era uma merda, tinha sido desde o dia em que lhe tinha dito o malfadado sim, avançando por um caminho que não escolheria nem de olhos vendados! Seria tarde demais? Ela parecia ser feliz, adorava os pequenos prazeres que o dinheiro dele lhe proporcionava. As crianças iam pelo mesmo caminho, soando-lhe tão a falso aqueles "ohhh siimmm! És o melhor pai do mundo!!" que recebia sempre que lhes comprava as inutilidades caríssimas que lhe pediam. Uma vida inteirinha de sacrifício, porquê, para quê e sobretudo em nome de quem??

Acercou-se do corrimão e olhou lá para baixo, para as ondas de espuma que rodeavam o navio. Se toda a navegação fosse assim, tão suave, sem balanços nem sacudidelas... era o tudo ou nada, sentia-o a quebrar-se dentro de si. A parte anterior, já casca, ficaria ali, vazia, oca, morta... e a nova partiria enfim, atirando-se de cabeça para o desconhecido, preferindo mil vezes isso a ter que as enfrentar novamente, a ela e a essas crianças iguaizinhas à mãe. Lentamente subiu para cima do corrimão, olhou para o céu e para as estrelas, abriu os braços e pela primeira vez em toda a sua vida voou, um voo solitário, mas suave, sem balanços nem sacudidelas nem amarras nem limites!

O canto das cigarras-tritão

Mudamos, é assim, muda tudo, mudamos nós também. E, no entanto, algumas coisas ficam sempre, os pés descalços sobre o soalho nas noites de verão, as calças de linho atadas na cintura, as mesmas, agora macias de uso e lavagens, as cigarras imaginárias lá fora, as traças esmagadas contra as paredes. Mas mudamos, é inevitável. Lembro-me - agora tão vagamente, quase me parecem memórias emprestadas - do imenso medo de atirar os sapatos pela janela fora. O pavor de poder ter que pisar, ao mesmo tempo, cascas de ovos e pedaços de espelhos partidos. Em bicos dos pés, bailarina atabalhoada em pontas, na pirueta a queda certa, os cacos espetados pelo corpo (sem rasgarem a roupa; como são violentas essas feridas invisíveis). Mas sempre insistindo e não se pode dizer - dizemos mas é tão mentira - que se crie calo, que doa menos nas próximas vezes, se alguma coisa, dói mais porque já sabemos e a antecipação da dor não a atenua, antes a aumenta. Desistimos, é certo, em certas alturas mas depois, não, não é coragem - dizemos que sim mas é tão mentira - é só atracção do abismo, vertigem (do degrau mais alto), que nos faz

atirar de novo os sapatos pela janela, desatar uma vez mais os atilhos e pisar - eventualmente, inevitavelmente - dizemos depois - mais cacos, mais vidros, mais cascas de ovos. Sem as quebrar, sem quebrar tudo à nossa volta a começar nas pontas dos dedos e a teminar nas raízes dos cabelos.

Mudamos. Passamos a bailarinas permanentes, sempre em pontas, o contacto com o chão já desligado. Desligadas, etéreas, eternas na vontade de nos descalçarmos e atirar os sapatos - e a precaução - pela janela fora.

Só muda o desaparecimento do medo. O resto é - apenas e só, lamento dizê-lo, não acreditando eu no destino - uma questão de sorte.

À volta dos degraus

1.7.09

Foi tão bom para ti subir este escadote como foi para mim?
.........
*
Leva-me contigo ao topo do escadote!
*
Hoje é dia de bricolage?
*
Acabas de subir mais um degrau na minha consideração.
*
Isto é infindável e deveras divertido! Escrever sobre um acessório arrumado sem nobreza nem glória numa escura arrecadação.

Era a tarde mais longa de todas as tardes*

30.6.09

Que me acontecia

Eu esperava por ti, tu não vinhas

Tardavas e eu entardecia

Era tarde, tão tarde, que a boca,

Tardando-lhe o beijo, mordia

Quando à boca da noite surgiste

Na tarde tal rosa tardia



Meu amor, meu amor, minha estrela da tarde, se eu te disser que seremos sempre melhor amigos do que amantes não te zangues, não assumas que o faço por vingança ou por ser má pessoa. É só que aconteceu assim, estou cansada e perdi a pica toda.



Era tarde demais para haver outra noite,

Para haver outro dia.



*Ary dos Santos e Fernando Tordo, Estrela da Tarde

Don’t stop till you get enough

Não se recordava já em que ponto tinha perdido aquela vontade, se calhar nunca a tinha tido e teria sido só uma breve e virginal ilusão. Mas hoje mais do que nunca a coisa já se tinha tornado de tal forma mecânica que tinha que ocupar a mente com outros assuntos, tentanto abstrair-se do homem resfolegante que a agarrava de forma desesperada. "Porra para isto, este gajo não me corta as unhas, é isso, amanhã tenho que lhe comprar um corta-unhas. A acrescentar à lista de compras, deixa cá ver, um corta-unhas, pão, leite, sabão daquele azul para as nódoas de vinho na toalha de mesa da sala..." e assim desfiando o rosário de afazeres e obrigações esperava que o tempo passasse depressa para que ele finalmente a largasse e ela pudesse ter o seu momento de sossego. Sem passar pelo prazer, assim como quem vai directo à casa partida.

Era assim a vida, tinha-se perdido nela, encurralada entre um marido rabugento e inúmeras crianças as quais tinha uma certa dificuldade em identificar como suas. Queria parar tudo isso e saltar fora, procurar outro espaço, reclamá-lo só para si, sem marido nem filhos nem nada. Já estava na altura, já tinha aturado tudo, mais do que suficiente para que eles seguissem sem ela. Era isso, estava pronta para gritar "Basta!"

Desculpe, foi engano.

…se as palavras se esgotaram entre nós, se os dias que amanhecemos juntos já não têm a magia dos primeiros raios de sol, se já não é o calor do meu corpo que procuras de noite [nem o meu cheiro de manhã], se quando nos cruzamos o teu olhar foge para chão e, se mesmo assim, pensas que te espero num canto em angustia e desgosto…se ainda esperas um sorriso no dia que te lembrares que há luz para além do azul e cinzento desse caminho, experimenta ligar para mim e depois conta-me o que te responderam deste lado.

Falha de comunicação

Quando oiço pessoas falarem de falhas de comunicação nas relações, o pensamento imediato que me vem à mente é de que deviam aderir àqueles planos para namorados da Vodafone ou lá o que é, fazer um upgradezito do telemóvel e tal.
E depois tu e eu não nos entendemos. Tu não ouves o que eu digo, eu não entendo o que tu dizes. E a piada das falhas de comunicação deixa de ter piada.

Planos para amanhã

29.6.09

É claro que já sei onde moras. Rua, número de porta, quantidade de passos que dás para chegares ao pé do mar. Sei os teus nomes do meio, os apelidos e ainda quando, onde e de quem nasceste. Amanhã quando saíres de casa, a criança por uma mão e o adeus até logo pela outra, quando estiveres a acenar com tédio e cansaço na direcção da tua mulher que finaliza as suas pinturas de guerra, equilibrando o rimel nas pestanas, eu apareço-te à frente com um sorriso de orelha a orelha e armada de más intenções até aos dentes. Na altura, logo verei se descarregarei em ti uma salva de tiros ou de beijos. O que fizer mais estragos, presumo. A ver se não me esqueço de pôr o despertador para as seis, que ainda tenho de limpar a caçadeira, lavar primorosamente os dentes e gorgolejar meio minuto com listerine.

Eu gosto de escadotes.

Gosto. Gosto de subir por eles acima, degrau a degrau, mais devagar ou mais depressa, mas sempre a subir. Parar no último, observar por brevíssimos momentos a paisagem, respirar fundo e atirar-me para a queda.
Porque do que eu gosto mesmo é do tombo. Seja grande, seja pequeno, o tombo é que é. Suster a respiração, sentir que me crescem asas, o estrondo do impacto com o solo.
Yep, o tombo é do que eu gosto mais. Chamem-me masoquista, eu não me importo.

DearJohn letter II ou I'd like to thank the academy...

28.6.09

Gostava de agradecer a um escadote que nunca trepei apesar de todas as promessas e delírios. Quis muito subi-lo e chegar onde precisava. Desejei, imaginei e partilhei (com o próprio, claro está) mil e uma maneiras de o subir e de me fazer chegar ao malão que queria. Malão abóbora está bem de ver, onde guardo estrelinhas e mil cores, e que abro quando o escadote mo proporciona.
Felizmente revelou-se bambo e fraco a tempo. Afinal não me ía ajudar, tinha medo que eu caisse. Mas seguro-me bem, ainda tentei mesmo vendo que já me saía marquise e vida fora.
Queria agradecer-lhe porque não fosse ele o fraquinho que foi, o último ano teria sido muito diferente (para pior), e foi estupendo.
Trepava-te um dia destes mas não ías querer outra coisa, por isso mantém-te atrás da porta velha e aborrecida onde tens estado sempre.
Cheers!

Isto é que é um blog?





Então isto é que é um blogue? E isto sou eu a escrever num blogue? Não está mal para começar: dez personagens sob um nome que não passa de uma metáfora. Escadotes? que dão jeito e fazem alguma falta? E eu que não me lembro porque raio alguém se lembrou deste título.
Talvez haja mesmo um escadote para cada uma das personagens que aqui escrevem. Dito por outras palavras, cada uma delas lá terá os seus escadotes, uns merecidos outros não e provavelmente nem todas o alcançam, mas de certeza que se esforçam.
Seja como for, um escadote dá sempre jeito. Mas jeito para a bricolage, isso é outro assunto.
Na vida tal como num blogue, um degrau de cada vez.

Inside post

Já cá estamos 10. Eu não sei quem é ninguém mas quero dar os meus parabéns à drama queen, grande nome (e que eu devia ter escolhido para mim própria, que falta de ideia).

É tudo tão complicado

tão difícil, e eu a pensar que sabia o caminho mas mesmo assim liguei o GPS, só para o caso de não saber bem, de me poder enganar e afinal enganou-se o GPS, levou-me pelo caminho errado, fui parar no meio do mato e oiço saraivadas de tiros, de repente estou numa zona de guerra e nem artilhada fui, estou assim de chinelos e calções, o bikini por baixo (pensava eu que ía para a praia do costume). Baixo-me mas mesmo assim oiço tiros, oiço balas que passam a raspar a meros centímetros da minha cabeça, o som é um mero zunido metálico, estou no chão a comer pó e pedras, já nojenta de sujidade, cheia de lágrimas de medo que não choro para não me ouvirem e atirarem directamente para o sítio onde estou, atrás de um carro, deitada no chão de pó, com os ouvidos a estoirarem de zunidos e explosões. Não sei se saio daqui viva, oiço a voz na minha cabeça, vai correr tudo bem, já estiveste em zonas de guerra como esta e estás aí viva, estás aí inteira, todos os orgãos todos os membros, inteira menos nas cicatrizes que te rasgaram por dentro, temos pena.
E de repente, exausta da espera no meio dos tiros, farta do pó e das explosões, meia enlouquecida pelo cheiro a sangue e pelas moscas que rodeiam os corpos desfeitos à minha volta quero levantar-me, senhores estou aqui, atirem directamente ao coração, embora não possa garantir que me atinjam assim, ainda que o meu peito rebente, há muito que ele se ficou ao longo do caminho, o mais provável é a bala atravessar sem que eu sequer a sinta, sem causar uma única gota de sangue. É por aí sim, atirar ao coração.

As bonecas mal recortadas

27.6.09

Foi a barriga a culpada. Não foram as calorias que iam entrando e saindo ao sabor de chocolates, tristezas e adrenalinas várias, que se alojavam por aqui e por ali, abaixo da cintura e acima dos joelhos e, quando sobravam, animavam o decote. Essas, velhas amigas, às vezes bastava um fim de semana sem dormir para desaparecem quase por completo. E também não foram as celulites até às orelhas, que atacam até as mais magras e depois bem nos podemos convencer dos cremes milagre, que não acontece nada, por ali estacionam e acabamos por nos habituar. Muito menos as veias, todos os capilares à flor da pele, mapas de rios vermelhos, roxos e azuis, o tempo a passar e as pernas feitas mapas de derrames. Os brancos, as rugas? Nada de grave, que uns se pintam e as outras se atenuam e até se poderia dizer que dão alguma graça.

Enquanto a cintura se mantinha de menina, enquanto os biquinis se levantavam nos ossos da bacia, tudo era suportável, todas as saias, todos os vestidos e todas as calças e todas as camisolas justas e que fosse uma mulher pera, maçã ou abacate, era ainda uma mulher parecida com uma boneca de papel, daquelas desenhadas e recortadas com as cinturas muito marcadas e espaço para os recortes brancos dos cintos se poderem dobrar para dentro.

Foi a barriga a culpada. Foi aparecendo e sempre a impressão que passa daqui a uns dias, alguma coisa que comi, são as hormonas fazem-me inchar, ando esquisita mas isto é provisório e as calças de botão aberto na cintura que encolhem na máquina, uma maçada mas passa daqui a uns dias e os dias a passarem e a barriga ali, sem desaparecer. Oh, pois pode ser nada de grave, claro que não tens barriga nenhuma, tem dó, olha ali aquela e nem 18 anos tem, olha a daquela, olha a minha, tem paciência, isso não é de todo barriga e tudo o que era justo a mostrar que não era provisório, que não era passageiro e de repente tudo o resto tomou a proporção devida, as outras calorias todas em todo o lado, as brancas sem deixarem amarrar o cabelo, os mapas nas pernas a ficarem visíveis, as rugas vincadas na cara, a carne flácida, os tornozelos grossos, de repente caíram os anos todos que tinham ficado para trás, arrumaram-se os vestidos mais justos, subiu-se um número ou dois e a boneca passou a ter um recorte direito de quem não sabe desenhar cinturas.

Há-de habituar-se que sabe que a beleza vem de dentro e quanto mais se envelhece mais de dentro terá que vir.

Hoje

Cheira-me a ti por todo o lado. Cheirei os cabelos na almofada e cheirou-me a ti mas achei normal. Cheguei ao café e cheirou-me a ti mas achei que estava parva, tomei banho e cheirou-me a ti e achei que merecia era levar uma chapada na boca e agora de roupão ainda me cheira a ti e acho que alguém me deve passar por cima com um camião.
Intrigante ou não, podia jurar que não tinha decorado o teu cheiro mas é o mais provável é que esteja a sair dos meus poros.

O pé direito e os escadotes.

Pois o número de degraus de um escadote é fundamental para atingir os pontos mais altos, trocar uma lâmpada ou dar uma martelada bem lá cima onde é preciso.
Mas, e isto é uma questão fundamental, que deveria ocupar as mentes e espíritos de engenheiros, arquitectos e fabricantes de escadotes (e de extensores de escadotes, pois então) não será a necessidade de alcance do escadote directamente proporcional ao pé direito da assoalhada onde vai ser utilizado (sim, que os escadotes são para utilizar, não são para ter como bibelot ou escondidos atrás da porta da despensa)?
Pois que para mim um quarto em Massamá, com uns meros 2,70m de pé direito não se compara com uma sala pombalina com mais de 3,50m de altura.
Pois ele há sítios onde os escadotes podem ter degraus a mais e quem os suba arrisca-se a bater com a cabeça lá em cima, causando danos no próprio e no tecto, o que a ninguém aproveita, ou a ter de curvar as costas e torcer-se todo com grandes incómodos, imagino.
Pois cada roca com seu fuso (e os fusos também têm muito que se lhes diga) e cada assoalhada com seu escadote.

Dear John letter 1

25.6.09

Sei quem é Átila, pois sei. O huno sim, não é o cão da Carlota, sei muito bem. Se foi disso que me ri? Claro que sim, percebi a piada... Espera. Deixa ver se estou a perceber bem. Achaste mesmo que me tinha rido da cara de tolo que fizeste? Da momice e não da referência? Achaste até hoje que... Devo ter percebido mal. Percebi mal e nem te vejo bem.
Não insistas no espanto, não insistas na certeza que achas que tens de eu não saber. Insultas-me a inteligência e pior, bem pior, as memórias de tardes com a minha avó. Continuas olhar para mim como se te revelasse que natas não são claras em castelo e vice-versa. Agora é que foi, arrumei-te com esta.
É pois ao huno que dedico a gargalhada que dei. Ao Huno, digo antes, que é o único que conheço - admito a minha falha na geneaogia do povo mongol. Olha, viste? Sei dizer mongol. Sei dizer Átila e agora prepara-te: eu até sei dizer Gengis Khan. Hã? Viste? Viste meu cretino que folhear a Hola não é sinal de nada? Minto, é sinal de descanso. Mas sabes lá tu o que é descansar olhos, cabeça e alma pelas páginas macias, principes pequenos e exclusivos de premieres. E ficas com esta para não voltaras a asnear: compra-se no Verão, em alturade praia, como viamos tias e mães fazer.
Átila, o Flagelo de Deus. Queres mais? Se tivessemos cavalos, faziamos uma reunião Athila style: montados na garupa – chega-te para lá, cada um na sua – a ver quem desistia pelo cansaço. Não sabias, pois não? Era a manha dele. Chama-lhe estratégia se te faz sentir melhor, o resultado é igual: sai da minha vida.

Quanto mais alto melhor a vista

24.6.09

Nesta como em tantas outras situações, a questão é saber quando devemos parar de subir. Os pouco curiosos, ou mesmo medrosos, quedam-se sempre nos primeiros degraus, sentindo ali um certo conforto por terem o chão tão perto. A qualquer altura podem saltar do escadote e fugir, para terreno seguro, para debaixo da cama ou das saias da mãezinha que os pariu. Não arriscam muito, não sobem muito, mas também nunca irão longe.

Depois temos os mais cautelosos, aqueles que gostam de subir mas de preferência acompanhados, cai sempre mal assumirem as vertigens na face de outrem que os tem em tão boa conta. Em calhando estão os dois na mesma situação, cada um pensando que o outro é tão corajoso assim subindo como se não houvera amanhã.

E depois há os destemidos, essa espécie cada vez mais rara que se atira sempre de cabeça e com unhas e dentes a todas as oportunidades que surgem, como quem não tem nem nunca teve nada a perder. Confesso que adoro a veleidade dos destemidos, adoro que queiram sempre chegar mais alto, mais perto, mais dentro. Há uma certa loucura nesses que não sabem nem querem parar, pontapeando todas as pedras do caminho e estrafegando as aves que se atrevem a picar-lhes o pescoço. Não há nada mais excitante do que a obsessiva determinação destes sujeitos que na grande maioria das vezes conseguem tudo o que querem sem nunca perderem o equilíbrio nesses escadotes onde se empoleiram na ânsia bruta de chegarem ao topo.

E depois, uma vez lá, eu sou deles, têm-me nas suas mãos e fazem de mim aquilo que querem. Sou o seu prémio, e com eles comemoro a sua vitória duma maneira de tal forma intimista que quase me sinto vampira das emoções alheias. Enquanto se refastelam nas minhas carnes generosas mordo-lhes o pescoço à procura daquele sangue quente a bombear adrenalina e é desse elixir que me alimento e me conservo.

Preciso que os escadotes continuem a ser cada vez mais altos, preciso que os destemidos continuem a querer subi-los à procura da fúria doida do orgasmo, preciso disso para me manter viva!

Coisas

23.6.09

como descrever a coisa?
Um bocado de cola, daquela super, incrustada nos dedos. Quando acontecia, e porque nenhum produto era capaz de tirar aquilo, lixava com uma lima de unhas até a pele ficar lisinha, sem os resíduos que pareciam pequenos calos e que não eram particularmente dolorosos mas apenas incómodos, era maçador passar com as mãos numa superfície e sentir que algumas partes dos dedos não recolhiam a sensação da madeira áspera, da toalha fofa ou da pedra macia. Depois a lima a limpar tudo e deixar a pele lisa, sim, tinham sido arrancados pedaços, mas nem isso parecia ter sido particularmente doloroso e era incomparavelmente mais confortável ter os dedos limpos e prontos a sentir na totalidade.
Ou assim parecia.
Porque depois, ao passar levemente a língua ou os outros dedos por um dedo eis que reaparecia de novo um pequeno calo. E outro. Outro. Era trabalho paciente, ir buscar de novo a lima, desfazer as arestas-calo na superfície rugosa, sentir a pele lisa de novo e cheia de um pó fino esbranquiçado que se soprava. E saber - saber - que o mais provável era daí a uns dias voltar a ter de fazer o mesmo, voltar a encontrar um novo calo pequenino, ou mesmo um grande e ir, devagar (sem grandes pressas, já) buscar de novo a lima, arrastá-la de novo sobre os dedos, sentir uma camada de pó fininha, soprá-la, lavar as mãos, senti-las de novo inteiras.

Solstício de Verão

21.6.09

As bruxas de hoje ainda se despem. Depois, deitam-se no sofá, pegam no comando, fazem zapping, suspiram, sopram, abanam-se e concluem que tiveram um domingo de merda.