o alcance dos códigos

22.6.10

às vezes acho que o problema é a nossa comunicação ser cifrada.
não temos culpa de ser pessoas que não gostamos de falar com as palavras todas.

receber uma mensagem que diz só tá boa? e ter de assumir que lá está escrito o que fizeste hoje? ouvir foi bom falar consigo este bocadinho e imaginar estou cheio de saudades tuas porque não te vejo desde domingo e ainda me faltam dois dias inteiros para te voltar a ver. ouvir ah não sei bem quando volto e pensar que o que estava por trás era embora possa ficar fora duas semanas vou ficar só uma. ouvir gosto de estar consigo e pensar que era mesmo um disfarçado amo-te.

nos outros dias todos penso que afinal o problema é eu ver códigos numa linguagem que é apenas linear e que diz aquilo que as palavras dizem.

o alcance da simplicidade

16.6.10



Olha para a fotografia acima. É apenas um fruto mas sabes tu a quantidade de milhões de anos que foram necessários para chegar a esta forma? Imaginas quantos ficaram pelo caminho, por não possuirem um sistema de transporte de alimentos suficientemente perfeito, por não terem uma forma que se adaptasse com exatidão à sua função de fruto?

A nós não nos é exigido tanto, é tudo muito mais simples. Se errarmos, a grande maioria das vezes, poderemos corrigir esse erro. Se não conseguirmos poderemos sempre seguir caminho sem cometer o mesmo erro porque é para isso que servem os erros. Para ensinar.

A nós não nos é pedido que sejamos perfeitos. Apenas que arrisquemos. Se nem isso queres fazer, pois paciência. Há caminho à nossa frente para seguir. Vários aliás. Aprendamos com o nosso erro. Eu a não insistir no que está estragado. Tu a...qualquer coisa que não me interessa minimamente.

o alcance dos sentimentos

8.6.10

O Pedro diz O maior inimigo da amizade é o amor.

mas

O maior inimigo do amor é a vida. São os dias. As noites. Os amigos. Os filhos. As casas. Os carros. O trânsito. Os dias de sol. A chuva. Os dias bons. A doença. A tristeza. O dinheiro.

O amor já tem tudo contra ele à partida. Portanto se a amizade tiver apenas um inimigo, terá grandes hipóteses de sobreviver.

o alcance da tranquilidade

7.6.10

tranquilidade. passamos metade da vida a fugir dela e a outra metade à procura dela.

O alcance das cerejas

2.6.10

Saiu de casa sem saber se havia de voltar atrás para lavar aquela mão mas decidiu continuar. Sorriu satisfeito porque afinal após tanta conversa (mero paleio, palavras sem propósito, palavras caídas) bastou um olhar para que ali mesmo, no meio dos destroços, ela se desfizesse em gemidos sensuais que se lhe enrolaram à pele criando-lhe o maior tesão de todos os tempos.

Tinha chegado há escassas horas atrás, cheio de pressa e já levando um atraso significativo para mais uma reunião com aqueles clientes que nunca estão certos que o negócio será o melhor das suas vidas. Entre ensaios de argumentos prontos a esgrimir deparou-se com a mulher acabada de sair do banho, ainda molhada e quente, a comer cerejas na cozinha. Não soube bem porquê, já não sentia aquele formigueiro desde que ela lhe tinha dito que estava tudo acabado entre eles, que estava farta das suas longas ausências. Distraidamente serviu-se de um copo de água gelada, porque estava mesmo cheio de pressa e precisava de manter a lucidez para a reunião que se seguia. Balbuciou mais um "hoje venho tarde..." enquanto ela comia as cerejas, saboreando-as, chupando-as, deixando escorrer-lhes o sumo por entre os dentes, sorvendo, absorvendo e esperando.

Quando acabou de beber a água, viu-a praticamente nua à sua frente, selvagem de repente, ela que sempre tinha primado por uma imagem de discrição acima de tudo e todos. Gritou-lhe, berrou, chorou, voltou à carga com todos os argumentos já mais que batidos entre ambos. Tinha a certeza que ele tinha uma amante, outra mulher que lhe satisfazia os caprichos e desejos. E estava de farta de esperar por ele, que um dia se dignasse a olhar para ela como fizera no início. Cheia de cerejas e farta de desespero, agarrou em tudo o que viu à frente e atirou... contra as paredes, contra o chão, contra ele.

Aproveitou um momento de cansaço para se aproximar dela e agarrá-la pela cintura. Sem palavras, esgotadas, beijou-a com desejo e sentiu o calor à mistura com o aroma intenso das cerejas. Nunca na vida se lembrava que ela lhe tivesse cheirado assim e quando mais inalava mais perdido se sentia. Desfez-se das roupas que subitamente o aprisionavam causando-lhe uma falta de ar inesperada. Ela já estava à sua mercê, percebeu tão bem que ela precisava dum orgasmo tanto ou mais do que ele. De joelhos ela, submissa, e ele penetrando-a por trás, sentido um calor intenso subindo-lhe do sexo até aos olhos, à boca.

Molhada, escorria, puro sumo de cereja à mistura com algo indescritível de bom, de inebriante, de puro e total descontrolo. Não queria vir-se nela, não queria ter que provar aquilo que era seu, preservando assim o sabor que dela escorria. Quando se sentiu, virou-se e aproveitou para regar as paredes com a força do seu jacto, uivando como se fosse a primeira vez que assim se esvaziava.

Ela continuava de joelhos ofegante, à espera da sua vez e ele não se fez rogado. Mantendo-a na mesma posição baixou-se o suficiente para poder finalmente saboreá-la, sentindo de novo o tesão a formar-se à medida que introduzia a língua no seu sexo molhado, quente, cheio de cerejas e mel. Sentiu-a fraquejar, gemendo, aproximando-se dele para que lhe pudesse tocar mais, dentro, fundo. Depois de saciado introduziu-lhe um dedo, depois outro, e sentiu o sexo dela a latejar por dentro. De olhos fechados e deixando-se guiar pelo instinto aplicou-se nas massagens que lhe fazia sentindo o fluxo aumentar por entre os seus dedos. De repente ouviu algo parecido com o estalar de um jarro de água e sentiu o esguicho molhando-lhe completamente a mão, deixando-o com um tremendo tesão.

Mas já era tarde e tinha que sair, levantou-se, vestiu-se e repetiu "hoje venho tarde..."

(Ela sentiu um ligeiro soluço a formar-se nas entranhas. Deixou-o subir e reparou que afinal era um caroço de cereja. Mais um, e outro. Cuspiu-os enojada. Mas vinham mais a caminho, prenúncio duma má disposição inadiável. Não devia ter comido tantas cerejas pensou, à medida que com o jacto que entretanto se formara varria as paredes que antes outros fluidos haviam regado...)

A inocência dos silenciosos

1.6.10

Ela cala-se, emudece, baixa a cabeça quase em vénia. Ouve as palavras ditas em propositado descuido, escolhidas, parece-lhe, ao acaso, como que ali caídas nas mãos que se movem vagamente, na direcção de pardais que escondem o olhar -em vénia perante a migalha - que se podem assustar. Sim, há medo e migalhas à mistura e palavras caídas. Há anjos caídos, também, trespassados por setas cuspidas de corações furados. Há mãos em sangue das bicadas de pássaros inocentes. Há Alices que partem espelhos na cabeça de gatos que já deixaram de sorrir. Há o caçador e a mãe do cão. Há tempo a perguntar as horas ao tempo que passa. Há tantas coisas e nada é exactamente aquilo que não parece. São só palavras. Só palavras.