O alcance do lado negro

16.2.11

Já passou tanto tempo que não sei se ainda serei capaz, de me lembrar, de refazer caminhos, de me inspirar e soltar letras e palavras que me saíam antes como lágrimas de uma fonte sem fim. Nunca antes me bateu a incerteza, a apresentação final sempre me apareceu assim, completa, a imagem espaçada da sua reflexão no papel por apenas alguns minutos, o tempo suficiente para que os dedos atacassem as teclas à velocidade de 3 estocadas por segundo. Hoje acho que escrevo mais rapidamente, mas preciso de parar para pensar porque a nascente da fonte que outrora jorrava em mim secou.

Aparentemente sou a mesma, mas quem me conhece sabe que já não sou. Tudo começou há uns anos, quando uma certa bruna abriu uma caixa de pandora que estava perdida no tempo indefinido da minha memória. Essa morena atrevida encontrou o meu lado negro e não contente com a mera provocação que algo desconhecido emanava dali, partiu a tampa da caixa e virou-a do avesso. E foi assim que vivi uma segunda vida, a meio da primeira irremediavelmente interrompida, com outra pele, outras características, qualidades e defeitos (outra eu?) Soa a esquizofrenia e possivelmente terá mesmo sido, um ataque prolongado de dupla (tripla? quádrupla?) personalidade.

Não tenho qualquer dúvida que foi o lado negro que se impôs durante esses anos. Deixei de ter medo, incertezas, dúvidas, receios. Ia sempre a direito, por um sentido que só eu sabia, partindo tudo e todos que se atravessassem à minha frente (e rindo das desgraças alheias!) É tão fácil deixarmo-nos levar pelo lado negro, é tão poderoso e atractivo! Atingimos um nível onde sagrado e profano se fundem, ou talvez ali o sagrado seja uma poderosa ilusão criada pelo profano mas que nos cega na mesma, convencida que estava que naqueles terrenos não havia verdades nem mentiras, que ali não imperava nenhuma lei ditada por Homens, apenas aquilo que eu queria e desejava. Terei cometido alguma ilegalidade? É provável, embora na altura nem sequer me passasse pela cabeça que haveria um preço a pagar mais tarde. Ninguém pára para pensar no momento em que vende a sua alma ao diabo!

Só depois do momento, da adrenalina que gastamos e que acaba porque tudo tem um fim, percebemos que o tempo passou e deixou marcas. Marcas físicas e marcas emocionais e mentais, muito mais profundas e muito mais difíceis de superar. Quando se mistura amor com ódio, é possível voltar a amar? Quando se mistura prazer com dor é possível voltar a gostar (de alguém? de mim?) O egoísmo derrota o altruísmo, a prepotência esmaga a subserviência, a invencibilidade que sentimos toma conta de tudo e já nada importa, ou interessa, se não aquilo que pretendemos possuir!

Quando o líquido viscoso e negro deixou de correr nas minhas veias vislumbrei um mundo novo, tão diferente daquele de onde vinha e que me tinha consumido por tanto tempo. Ficou tudo mais calmo, mais igual ao da primeira vida, mas de contornos mais agradáveis porque há sempre muita merda da qual precisamos de nos libertar para seguir em frente. Mas, e há sempre um mas, a inspiração do lado negro, o ser sublime que me senti e que fui enquanto possuída pela força, isso desvaneceu-se para sempre. As minhas palavras fluem na mesma mas a grandiosidade desapareceu e tenho pena, assumo que sim!