O alcance das cerejas

2.6.10

Saiu de casa sem saber se havia de voltar atrás para lavar aquela mão mas decidiu continuar. Sorriu satisfeito porque afinal após tanta conversa (mero paleio, palavras sem propósito, palavras caídas) bastou um olhar para que ali mesmo, no meio dos destroços, ela se desfizesse em gemidos sensuais que se lhe enrolaram à pele criando-lhe o maior tesão de todos os tempos.

Tinha chegado há escassas horas atrás, cheio de pressa e já levando um atraso significativo para mais uma reunião com aqueles clientes que nunca estão certos que o negócio será o melhor das suas vidas. Entre ensaios de argumentos prontos a esgrimir deparou-se com a mulher acabada de sair do banho, ainda molhada e quente, a comer cerejas na cozinha. Não soube bem porquê, já não sentia aquele formigueiro desde que ela lhe tinha dito que estava tudo acabado entre eles, que estava farta das suas longas ausências. Distraidamente serviu-se de um copo de água gelada, porque estava mesmo cheio de pressa e precisava de manter a lucidez para a reunião que se seguia. Balbuciou mais um "hoje venho tarde..." enquanto ela comia as cerejas, saboreando-as, chupando-as, deixando escorrer-lhes o sumo por entre os dentes, sorvendo, absorvendo e esperando.

Quando acabou de beber a água, viu-a praticamente nua à sua frente, selvagem de repente, ela que sempre tinha primado por uma imagem de discrição acima de tudo e todos. Gritou-lhe, berrou, chorou, voltou à carga com todos os argumentos já mais que batidos entre ambos. Tinha a certeza que ele tinha uma amante, outra mulher que lhe satisfazia os caprichos e desejos. E estava de farta de esperar por ele, que um dia se dignasse a olhar para ela como fizera no início. Cheia de cerejas e farta de desespero, agarrou em tudo o que viu à frente e atirou... contra as paredes, contra o chão, contra ele.

Aproveitou um momento de cansaço para se aproximar dela e agarrá-la pela cintura. Sem palavras, esgotadas, beijou-a com desejo e sentiu o calor à mistura com o aroma intenso das cerejas. Nunca na vida se lembrava que ela lhe tivesse cheirado assim e quando mais inalava mais perdido se sentia. Desfez-se das roupas que subitamente o aprisionavam causando-lhe uma falta de ar inesperada. Ela já estava à sua mercê, percebeu tão bem que ela precisava dum orgasmo tanto ou mais do que ele. De joelhos ela, submissa, e ele penetrando-a por trás, sentido um calor intenso subindo-lhe do sexo até aos olhos, à boca.

Molhada, escorria, puro sumo de cereja à mistura com algo indescritível de bom, de inebriante, de puro e total descontrolo. Não queria vir-se nela, não queria ter que provar aquilo que era seu, preservando assim o sabor que dela escorria. Quando se sentiu, virou-se e aproveitou para regar as paredes com a força do seu jacto, uivando como se fosse a primeira vez que assim se esvaziava.

Ela continuava de joelhos ofegante, à espera da sua vez e ele não se fez rogado. Mantendo-a na mesma posição baixou-se o suficiente para poder finalmente saboreá-la, sentindo de novo o tesão a formar-se à medida que introduzia a língua no seu sexo molhado, quente, cheio de cerejas e mel. Sentiu-a fraquejar, gemendo, aproximando-se dele para que lhe pudesse tocar mais, dentro, fundo. Depois de saciado introduziu-lhe um dedo, depois outro, e sentiu o sexo dela a latejar por dentro. De olhos fechados e deixando-se guiar pelo instinto aplicou-se nas massagens que lhe fazia sentindo o fluxo aumentar por entre os seus dedos. De repente ouviu algo parecido com o estalar de um jarro de água e sentiu o esguicho molhando-lhe completamente a mão, deixando-o com um tremendo tesão.

Mas já era tarde e tinha que sair, levantou-se, vestiu-se e repetiu "hoje venho tarde..."

(Ela sentiu um ligeiro soluço a formar-se nas entranhas. Deixou-o subir e reparou que afinal era um caroço de cereja. Mais um, e outro. Cuspiu-os enojada. Mas vinham mais a caminho, prenúncio duma má disposição inadiável. Não devia ter comido tantas cerejas pensou, à medida que com o jacto que entretanto se formara varria as paredes que antes outros fluidos haviam regado...)

Comments

One response to “O alcance das cerejas”
Post a Comment | Enviar feedback (Atom)

Unknown disse...

Sinto-me esmigalhada, reconheço as emoções, os sentimentos (ou falta deles).
Está excelente.

8 de junho de 2010 às 09:57

Enviar um comentário