o alcance da cegueira

6.9.10

É tão mais fácil escondermos-nos das imagens que os nossos comportamentos possam transmitir aos outros do que olhar para o espelho e reconhecer que errámos. De repente, num belo dia, percebemos que alguém pensa que somos assim ou assado e, essa imagem, afinal não era a que queríamos que alguém guardasse, que nos pintassem, assim de rosto desvairado, cabelo desgrenhado e cara esborratada, mas foi essa a imagem que ficou, naquele momento em que dissemos o que não queríamos, cegas que estávamos de ódio, que espumávamos da boca como cadelas enraivecidas, dissemos barbaridades e mordemos em quem nos levou àquele estado de loucura temporário, absortas que estávamos em deitar cá para fora toda a frustração que nos corroía os ossos e nos esmagava as entranhas, nunca nos passando pela cabeça a imagem que os outros gravavam. Quando olhamos finalmente para nós, através dos olhos de quem nos viu naqueles preparos, não imaginamos, sequer, o quão ínfimo é o que vemos. Os outros, os que assistiram, guardam-nos ampliadas, com a voz amplificada a níveis de histeria de uma verdadeira alucinada antes da medicação diária. A vergonha da nossa própria figura deveria ser a linha que nos separa de repetições constantes da mesma figurinha, mas não, é mais fácil tentar enganar[mos-nos] os outros com a velha desculpa de que lhes fizeram a cabeça. Afinal aquele episódio em que te agredi fisica e psicologicamente foi fruto da tua imaginação e de uma alucinação colectiva de quem soube dele. Se me vês como louca, vês mal, sempre te disse que devias procurar um oftalmologista, ou quem sabe um neurologista, o louco aqui não sou eu, olha lá para mim e vê se tenho ar de louca. Isto? Ah... estava a cortar a carne. Achas mesmo que te estava a apontar uma faca?
Depois alisamos ao espelho os cabelos desgrenhados, limpamos a espuma do canto da boca e achamos que estamos com olheiras, tudo o resto um pesadelo que sacudimos para debaixo do tapete e esperamos que ninguém o levante e veja a merda que andamos a esconder, principalmente de nós próprios.

Comments

One response to “o alcance da cegueira”
Post a Comment | Enviar feedback (Atom)

Enviar um comentário