O alcance do amanhã-que-hoje-não-quero-pensar-nisso

15.9.09

Um dia a Paula cortou o cabelo. Escadeado e curto: um corte leve, giro. A Paula era gordinha de olhos azuis e o corte ficava-lhe a matar. Elogiei-a:"Estás tão gira, ficou tão bem!" e os olhos dela sorriam, toda ela ligeira e feliz com o corte novo.
Quando o cabelo começou a crescer meti-me com ela "Tens de voltar a fazer o corte, estavas giríssima!". Já não sorriu: "o meu marido diz que não casou com um homem..." e virou costas. Não consegui reagir. Quis dizer "Que cretino, olha o estupor! Grande malcriadão!" mas não me sau nada. Era o marido e se ela própria não se mostrava indignada não me quis meter. "Sê educadinha, deixa-te estar" ouvia avós, pais, professores, anjinhos, sei lá, na minha cabeça.
Meses depois, cabelos pelos ombros depois, a Paula andava cada vez mais triste. Chorava pelos cantos, pediu para ir trabalhar no mesmo sitio que o marido e nunca mais a vi. Mas soube que "foi para estar mais próxima dele que andava com uma colega". Arrependi-me muito de não lhe ter chamado os nomes todos que me passaram pela cabeça antes. Depois caí em mim e soube que pessoas como a Paula nunca mudariam e fariam sempre tudo igual. E foi tristemente melhor assim.

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