O alcance do calendário perpétuo

8.2.10

Devia ter percebido que algo estava errado no dia em que o meu relógio de calendário perpétuo parou. A garantia indicava um tempo de vida útil de mais de 100 anos, ambos achámos que seria daqueles relógios a passar à geração seguinte, assumindo que o quereriam que hoje em dia relógios de pulso é coisa rara de se ver.

No dia em que parou, um dia triste de Inverno, não demos importância ao caso. Achámos que tínhamos sido enganados por um marketing persuasivo, mais tu do que eu. Eu apaixonei-me pela longevidade da pequena geringonça, imaginando-o feito de milhares de minúsculas micro-peças onde tudo parecia encaixar-se na perfeição. Igual todos os dias, indiferente à passagem inexorável do tempo! Até ao dia em que deixou de funcionar.

A partir de aí, mesmo que me esforce por não relacionar os eventos, não posso deixar de pensar que nada do que venha de nós é perpetuo, seja objecto ou sentimento. O tempo que decorria com uma precisão até então matemática virou-se do avesso, impossível de controlar. Passavam minutos que pareciam horas, até dias! E depois havia dias que desapareciam como meros segundos. Os interesses ficaram todos baralhados, imprecisos lá está, pela falta da precisão do rotor de quartzo que deixara de funcionar.

Eu que primava por uma pontualidade germânica deixei de saber a quantas andava. Chegava atrasada a todo o lado, correndo atrás de um horário rigoroso que deixara de conseguir cumprir. Cortava nas horas de sono para conseguir compensar, mas isso só fazia pior, porque no dia seguinte demorava ainda mais tempo a terminar as tarefas diárias do que antes. Até que um dia não aguentei mais e deixei de correr atrás do tempo (de ti) e quase que me despedi da vida (de mim). Apaguei uns dias da minha existência, podem ter sido uns meses, ou até uns anos, não sei, já não possuo o relógio de calendário perpétuo para me ajudar a cortar o tempo, em unidades perfeitas e redondas produzidas pelos seus milhares de micro-peças.

Hoje os meus dias são todos irregulares, uns enormes, outros minúsculos, a vida anda-me aos zigue-zagues em vez de seguir o curso regular de há uns anos atrás. Assumo que ainda sinto um certo ressentimento pelo velho relógio que deixou de funcionar. Pode ter sido um presságio, uma mera coincidência entre tantas outras, mas para mim esse momento foi o princípio do (nosso) fim. E é uma grandessíssima pena, porque eu gostava tanto daquele relógio!

Comments

2 Responses to “O alcance do calendário perpétuo”
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disse...

Lendo-o, (belo texto, a propósito) fico a duvidar da última afirmação. Sei que não se infere dele, mas a irregularidade dos dias e das coisas desencapsuladas assenta melhor ao texto que a redenção da monotonia, mesmo que servida pela batuta rigorosa de um rolex.

1 de março de 2010 às 10:33
Anónimo disse...

quem tramou os 112 trabalhadores para o despedimento colectivo no casino estoril o governo não quer saber as instituições judiciais tambem não os jornais idem aspas afinal quem é que em portugal se preocupa com despedimentos em massa.Não é só o casino estoril

12 de março de 2010 às 10:48

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