Era a tarde mais longa de todas as tardes*

30.6.09

Que me acontecia

Eu esperava por ti, tu não vinhas

Tardavas e eu entardecia

Era tarde, tão tarde, que a boca,

Tardando-lhe o beijo, mordia

Quando à boca da noite surgiste

Na tarde tal rosa tardia



Meu amor, meu amor, minha estrela da tarde, se eu te disser que seremos sempre melhor amigos do que amantes não te zangues, não assumas que o faço por vingança ou por ser má pessoa. É só que aconteceu assim, estou cansada e perdi a pica toda.



Era tarde demais para haver outra noite,

Para haver outro dia.



*Ary dos Santos e Fernando Tordo, Estrela da Tarde

Don’t stop till you get enough

Não se recordava já em que ponto tinha perdido aquela vontade, se calhar nunca a tinha tido e teria sido só uma breve e virginal ilusão. Mas hoje mais do que nunca a coisa já se tinha tornado de tal forma mecânica que tinha que ocupar a mente com outros assuntos, tentanto abstrair-se do homem resfolegante que a agarrava de forma desesperada. "Porra para isto, este gajo não me corta as unhas, é isso, amanhã tenho que lhe comprar um corta-unhas. A acrescentar à lista de compras, deixa cá ver, um corta-unhas, pão, leite, sabão daquele azul para as nódoas de vinho na toalha de mesa da sala..." e assim desfiando o rosário de afazeres e obrigações esperava que o tempo passasse depressa para que ele finalmente a largasse e ela pudesse ter o seu momento de sossego. Sem passar pelo prazer, assim como quem vai directo à casa partida.

Era assim a vida, tinha-se perdido nela, encurralada entre um marido rabugento e inúmeras crianças as quais tinha uma certa dificuldade em identificar como suas. Queria parar tudo isso e saltar fora, procurar outro espaço, reclamá-lo só para si, sem marido nem filhos nem nada. Já estava na altura, já tinha aturado tudo, mais do que suficiente para que eles seguissem sem ela. Era isso, estava pronta para gritar "Basta!"

Desculpe, foi engano.

…se as palavras se esgotaram entre nós, se os dias que amanhecemos juntos já não têm a magia dos primeiros raios de sol, se já não é o calor do meu corpo que procuras de noite [nem o meu cheiro de manhã], se quando nos cruzamos o teu olhar foge para chão e, se mesmo assim, pensas que te espero num canto em angustia e desgosto…se ainda esperas um sorriso no dia que te lembrares que há luz para além do azul e cinzento desse caminho, experimenta ligar para mim e depois conta-me o que te responderam deste lado.

Falha de comunicação

Quando oiço pessoas falarem de falhas de comunicação nas relações, o pensamento imediato que me vem à mente é de que deviam aderir àqueles planos para namorados da Vodafone ou lá o que é, fazer um upgradezito do telemóvel e tal.
E depois tu e eu não nos entendemos. Tu não ouves o que eu digo, eu não entendo o que tu dizes. E a piada das falhas de comunicação deixa de ter piada.

Planos para amanhã

29.6.09

É claro que já sei onde moras. Rua, número de porta, quantidade de passos que dás para chegares ao pé do mar. Sei os teus nomes do meio, os apelidos e ainda quando, onde e de quem nasceste. Amanhã quando saíres de casa, a criança por uma mão e o adeus até logo pela outra, quando estiveres a acenar com tédio e cansaço na direcção da tua mulher que finaliza as suas pinturas de guerra, equilibrando o rimel nas pestanas, eu apareço-te à frente com um sorriso de orelha a orelha e armada de más intenções até aos dentes. Na altura, logo verei se descarregarei em ti uma salva de tiros ou de beijos. O que fizer mais estragos, presumo. A ver se não me esqueço de pôr o despertador para as seis, que ainda tenho de limpar a caçadeira, lavar primorosamente os dentes e gorgolejar meio minuto com listerine.

Eu gosto de escadotes.

Gosto. Gosto de subir por eles acima, degrau a degrau, mais devagar ou mais depressa, mas sempre a subir. Parar no último, observar por brevíssimos momentos a paisagem, respirar fundo e atirar-me para a queda.
Porque do que eu gosto mesmo é do tombo. Seja grande, seja pequeno, o tombo é que é. Suster a respiração, sentir que me crescem asas, o estrondo do impacto com o solo.
Yep, o tombo é do que eu gosto mais. Chamem-me masoquista, eu não me importo.

DearJohn letter II ou I'd like to thank the academy...

28.6.09

Gostava de agradecer a um escadote que nunca trepei apesar de todas as promessas e delírios. Quis muito subi-lo e chegar onde precisava. Desejei, imaginei e partilhei (com o próprio, claro está) mil e uma maneiras de o subir e de me fazer chegar ao malão que queria. Malão abóbora está bem de ver, onde guardo estrelinhas e mil cores, e que abro quando o escadote mo proporciona.
Felizmente revelou-se bambo e fraco a tempo. Afinal não me ía ajudar, tinha medo que eu caisse. Mas seguro-me bem, ainda tentei mesmo vendo que já me saía marquise e vida fora.
Queria agradecer-lhe porque não fosse ele o fraquinho que foi, o último ano teria sido muito diferente (para pior), e foi estupendo.
Trepava-te um dia destes mas não ías querer outra coisa, por isso mantém-te atrás da porta velha e aborrecida onde tens estado sempre.
Cheers!

Isto é que é um blog?





Então isto é que é um blogue? E isto sou eu a escrever num blogue? Não está mal para começar: dez personagens sob um nome que não passa de uma metáfora. Escadotes? que dão jeito e fazem alguma falta? E eu que não me lembro porque raio alguém se lembrou deste título.
Talvez haja mesmo um escadote para cada uma das personagens que aqui escrevem. Dito por outras palavras, cada uma delas lá terá os seus escadotes, uns merecidos outros não e provavelmente nem todas o alcançam, mas de certeza que se esforçam.
Seja como for, um escadote dá sempre jeito. Mas jeito para a bricolage, isso é outro assunto.
Na vida tal como num blogue, um degrau de cada vez.

Inside post

Já cá estamos 10. Eu não sei quem é ninguém mas quero dar os meus parabéns à drama queen, grande nome (e que eu devia ter escolhido para mim própria, que falta de ideia).

É tudo tão complicado

tão difícil, e eu a pensar que sabia o caminho mas mesmo assim liguei o GPS, só para o caso de não saber bem, de me poder enganar e afinal enganou-se o GPS, levou-me pelo caminho errado, fui parar no meio do mato e oiço saraivadas de tiros, de repente estou numa zona de guerra e nem artilhada fui, estou assim de chinelos e calções, o bikini por baixo (pensava eu que ía para a praia do costume). Baixo-me mas mesmo assim oiço tiros, oiço balas que passam a raspar a meros centímetros da minha cabeça, o som é um mero zunido metálico, estou no chão a comer pó e pedras, já nojenta de sujidade, cheia de lágrimas de medo que não choro para não me ouvirem e atirarem directamente para o sítio onde estou, atrás de um carro, deitada no chão de pó, com os ouvidos a estoirarem de zunidos e explosões. Não sei se saio daqui viva, oiço a voz na minha cabeça, vai correr tudo bem, já estiveste em zonas de guerra como esta e estás aí viva, estás aí inteira, todos os orgãos todos os membros, inteira menos nas cicatrizes que te rasgaram por dentro, temos pena.
E de repente, exausta da espera no meio dos tiros, farta do pó e das explosões, meia enlouquecida pelo cheiro a sangue e pelas moscas que rodeiam os corpos desfeitos à minha volta quero levantar-me, senhores estou aqui, atirem directamente ao coração, embora não possa garantir que me atinjam assim, ainda que o meu peito rebente, há muito que ele se ficou ao longo do caminho, o mais provável é a bala atravessar sem que eu sequer a sinta, sem causar uma única gota de sangue. É por aí sim, atirar ao coração.

As bonecas mal recortadas

27.6.09

Foi a barriga a culpada. Não foram as calorias que iam entrando e saindo ao sabor de chocolates, tristezas e adrenalinas várias, que se alojavam por aqui e por ali, abaixo da cintura e acima dos joelhos e, quando sobravam, animavam o decote. Essas, velhas amigas, às vezes bastava um fim de semana sem dormir para desaparecem quase por completo. E também não foram as celulites até às orelhas, que atacam até as mais magras e depois bem nos podemos convencer dos cremes milagre, que não acontece nada, por ali estacionam e acabamos por nos habituar. Muito menos as veias, todos os capilares à flor da pele, mapas de rios vermelhos, roxos e azuis, o tempo a passar e as pernas feitas mapas de derrames. Os brancos, as rugas? Nada de grave, que uns se pintam e as outras se atenuam e até se poderia dizer que dão alguma graça.

Enquanto a cintura se mantinha de menina, enquanto os biquinis se levantavam nos ossos da bacia, tudo era suportável, todas as saias, todos os vestidos e todas as calças e todas as camisolas justas e que fosse uma mulher pera, maçã ou abacate, era ainda uma mulher parecida com uma boneca de papel, daquelas desenhadas e recortadas com as cinturas muito marcadas e espaço para os recortes brancos dos cintos se poderem dobrar para dentro.

Foi a barriga a culpada. Foi aparecendo e sempre a impressão que passa daqui a uns dias, alguma coisa que comi, são as hormonas fazem-me inchar, ando esquisita mas isto é provisório e as calças de botão aberto na cintura que encolhem na máquina, uma maçada mas passa daqui a uns dias e os dias a passarem e a barriga ali, sem desaparecer. Oh, pois pode ser nada de grave, claro que não tens barriga nenhuma, tem dó, olha ali aquela e nem 18 anos tem, olha a daquela, olha a minha, tem paciência, isso não é de todo barriga e tudo o que era justo a mostrar que não era provisório, que não era passageiro e de repente tudo o resto tomou a proporção devida, as outras calorias todas em todo o lado, as brancas sem deixarem amarrar o cabelo, os mapas nas pernas a ficarem visíveis, as rugas vincadas na cara, a carne flácida, os tornozelos grossos, de repente caíram os anos todos que tinham ficado para trás, arrumaram-se os vestidos mais justos, subiu-se um número ou dois e a boneca passou a ter um recorte direito de quem não sabe desenhar cinturas.

Há-de habituar-se que sabe que a beleza vem de dentro e quanto mais se envelhece mais de dentro terá que vir.

Hoje

Cheira-me a ti por todo o lado. Cheirei os cabelos na almofada e cheirou-me a ti mas achei normal. Cheguei ao café e cheirou-me a ti mas achei que estava parva, tomei banho e cheirou-me a ti e achei que merecia era levar uma chapada na boca e agora de roupão ainda me cheira a ti e acho que alguém me deve passar por cima com um camião.
Intrigante ou não, podia jurar que não tinha decorado o teu cheiro mas é o mais provável é que esteja a sair dos meus poros.

O pé direito e os escadotes.

Pois o número de degraus de um escadote é fundamental para atingir os pontos mais altos, trocar uma lâmpada ou dar uma martelada bem lá cima onde é preciso.
Mas, e isto é uma questão fundamental, que deveria ocupar as mentes e espíritos de engenheiros, arquitectos e fabricantes de escadotes (e de extensores de escadotes, pois então) não será a necessidade de alcance do escadote directamente proporcional ao pé direito da assoalhada onde vai ser utilizado (sim, que os escadotes são para utilizar, não são para ter como bibelot ou escondidos atrás da porta da despensa)?
Pois que para mim um quarto em Massamá, com uns meros 2,70m de pé direito não se compara com uma sala pombalina com mais de 3,50m de altura.
Pois ele há sítios onde os escadotes podem ter degraus a mais e quem os suba arrisca-se a bater com a cabeça lá em cima, causando danos no próprio e no tecto, o que a ninguém aproveita, ou a ter de curvar as costas e torcer-se todo com grandes incómodos, imagino.
Pois cada roca com seu fuso (e os fusos também têm muito que se lhes diga) e cada assoalhada com seu escadote.

Dear John letter 1

25.6.09

Sei quem é Átila, pois sei. O huno sim, não é o cão da Carlota, sei muito bem. Se foi disso que me ri? Claro que sim, percebi a piada... Espera. Deixa ver se estou a perceber bem. Achaste mesmo que me tinha rido da cara de tolo que fizeste? Da momice e não da referência? Achaste até hoje que... Devo ter percebido mal. Percebi mal e nem te vejo bem.
Não insistas no espanto, não insistas na certeza que achas que tens de eu não saber. Insultas-me a inteligência e pior, bem pior, as memórias de tardes com a minha avó. Continuas olhar para mim como se te revelasse que natas não são claras em castelo e vice-versa. Agora é que foi, arrumei-te com esta.
É pois ao huno que dedico a gargalhada que dei. Ao Huno, digo antes, que é o único que conheço - admito a minha falha na geneaogia do povo mongol. Olha, viste? Sei dizer mongol. Sei dizer Átila e agora prepara-te: eu até sei dizer Gengis Khan. Hã? Viste? Viste meu cretino que folhear a Hola não é sinal de nada? Minto, é sinal de descanso. Mas sabes lá tu o que é descansar olhos, cabeça e alma pelas páginas macias, principes pequenos e exclusivos de premieres. E ficas com esta para não voltaras a asnear: compra-se no Verão, em alturade praia, como viamos tias e mães fazer.
Átila, o Flagelo de Deus. Queres mais? Se tivessemos cavalos, faziamos uma reunião Athila style: montados na garupa – chega-te para lá, cada um na sua – a ver quem desistia pelo cansaço. Não sabias, pois não? Era a manha dele. Chama-lhe estratégia se te faz sentir melhor, o resultado é igual: sai da minha vida.

Quanto mais alto melhor a vista

24.6.09

Nesta como em tantas outras situações, a questão é saber quando devemos parar de subir. Os pouco curiosos, ou mesmo medrosos, quedam-se sempre nos primeiros degraus, sentindo ali um certo conforto por terem o chão tão perto. A qualquer altura podem saltar do escadote e fugir, para terreno seguro, para debaixo da cama ou das saias da mãezinha que os pariu. Não arriscam muito, não sobem muito, mas também nunca irão longe.

Depois temos os mais cautelosos, aqueles que gostam de subir mas de preferência acompanhados, cai sempre mal assumirem as vertigens na face de outrem que os tem em tão boa conta. Em calhando estão os dois na mesma situação, cada um pensando que o outro é tão corajoso assim subindo como se não houvera amanhã.

E depois há os destemidos, essa espécie cada vez mais rara que se atira sempre de cabeça e com unhas e dentes a todas as oportunidades que surgem, como quem não tem nem nunca teve nada a perder. Confesso que adoro a veleidade dos destemidos, adoro que queiram sempre chegar mais alto, mais perto, mais dentro. Há uma certa loucura nesses que não sabem nem querem parar, pontapeando todas as pedras do caminho e estrafegando as aves que se atrevem a picar-lhes o pescoço. Não há nada mais excitante do que a obsessiva determinação destes sujeitos que na grande maioria das vezes conseguem tudo o que querem sem nunca perderem o equilíbrio nesses escadotes onde se empoleiram na ânsia bruta de chegarem ao topo.

E depois, uma vez lá, eu sou deles, têm-me nas suas mãos e fazem de mim aquilo que querem. Sou o seu prémio, e com eles comemoro a sua vitória duma maneira de tal forma intimista que quase me sinto vampira das emoções alheias. Enquanto se refastelam nas minhas carnes generosas mordo-lhes o pescoço à procura daquele sangue quente a bombear adrenalina e é desse elixir que me alimento e me conservo.

Preciso que os escadotes continuem a ser cada vez mais altos, preciso que os destemidos continuem a querer subi-los à procura da fúria doida do orgasmo, preciso disso para me manter viva!

Coisas

23.6.09

como descrever a coisa?
Um bocado de cola, daquela super, incrustada nos dedos. Quando acontecia, e porque nenhum produto era capaz de tirar aquilo, lixava com uma lima de unhas até a pele ficar lisinha, sem os resíduos que pareciam pequenos calos e que não eram particularmente dolorosos mas apenas incómodos, era maçador passar com as mãos numa superfície e sentir que algumas partes dos dedos não recolhiam a sensação da madeira áspera, da toalha fofa ou da pedra macia. Depois a lima a limpar tudo e deixar a pele lisa, sim, tinham sido arrancados pedaços, mas nem isso parecia ter sido particularmente doloroso e era incomparavelmente mais confortável ter os dedos limpos e prontos a sentir na totalidade.
Ou assim parecia.
Porque depois, ao passar levemente a língua ou os outros dedos por um dedo eis que reaparecia de novo um pequeno calo. E outro. Outro. Era trabalho paciente, ir buscar de novo a lima, desfazer as arestas-calo na superfície rugosa, sentir a pele lisa de novo e cheia de um pó fino esbranquiçado que se soprava. E saber - saber - que o mais provável era daí a uns dias voltar a ter de fazer o mesmo, voltar a encontrar um novo calo pequenino, ou mesmo um grande e ir, devagar (sem grandes pressas, já) buscar de novo a lima, arrastá-la de novo sobre os dedos, sentir uma camada de pó fininha, soprá-la, lavar as mãos, senti-las de novo inteiras.

Solstício de Verão

21.6.09

As bruxas de hoje ainda se despem. Depois, deitam-se no sofá, pegam no comando, fazem zapping, suspiram, sopram, abanam-se e concluem que tiveram um domingo de merda.